Eu acordei de um jeito estranho para ir a
escola. Quando passei pela casa de Josh até olhei, mas não me preocupei em
chamá-lo, não sabia por que. Fui seguindo tranquilamente e até cantarolava
algumas músicas. O que estava acontecendo comigo? Porém, quando cheguei ao
prédio, minha cantoria parou. Todos olhavam pra mim e comentavam alguma coisa.
Eu estava acostumada com olhares, mas aqueles eram diferentes. Não era por
causa da minha maquiagem, ou por causa de como eu me vestia. Tinha algo que eu
não sabia.
Continuei
andando até o fim do corredor, onde normalmente encontrava a minha turma e não
foi diferente. Vi Lola, com seu isqueiro, ascendendo e apagando, só que agora
olhava diretamente pra mim, um tanto desconfiada, parecia até um pouco
irritada, mas ainda assim tinha um sorriso assustador no rosto. Continuei
andando, como quem não tinha notado nada de diferente e fui até Lola, cumprimentando-a
com meu sorriso natural de desdém.
-
Olá, Lola! – Eu disse, apertando a alça da bolsa no meu ombro e encostando-me
na parede ao lado. Ela continuava apenas me olhando e sorrindo, como se
estivesse me examinando com os olhos, esperando que eu declarasse alguma coisa
embaraçosa. – O que foi? Tá me olhando estranho... – Resolvi perguntar, já
ficando nervosa com a forma como todos estavam me olhando sempre que passavam
pela parede onde eu estava com as costas e um dos pés apoiados.
-
Foi um show mesmo, hein? – Lola disse com um ar de riso, finalmente guardando o
isqueiro no bolso de trás da calça e apoiando os dois polegares nos mesmos,
fazendo uma pose.
-
Show? Que show? – Eu não entendia. Não mesmo. Ela falava como se eu soubesse
muito bem do assunto que todos comentavam e que provavelmente tinha a ver
comigo. Comecei a me sentir sufocada por conta da irritação.
-
Na festa do Mcguire! – Ela ainda sorria e me respondeu em tom óbvio. Eu bati as
mãos nas coxas, inclinando o corpo pra frente e tirando-o da parede, irritada,
mas por dentro eu tive até um pouco de medo. Não lembrava de nada do que tinha
acontecido e esse tal show que todos estavam comentando só poderia ter sido
dado por uma pessoa, pra que em plena segunda-feira as pessoas não parassem de
olhar pra mim. Meu coração palpitava.
-
Pode ser mais direta? Eu não faço ideia do que você tá falando! – Eu disse,
sincera, esperando que as coisas não fossem tão graves.
-
Vai dizer que esqueceu como foi relembrar a infância? – Ela gargalhou por um
momento e eu comecei a arfar, respirando forte. Não podia, isso tinha a ver com
Joshua. – Ah, mas talvez na infância não fizessem coisas... Daquele tipo! –
Lola completou e riu mais alto. Eu não conseguia responder, apenas olhando para
o nada e tentando vasculhar a parte da minha memória que tinha sido apagada, o
não registrado, pra conseguir pedir desculpa a mim mesma por quaisquer momentos
vergonhosos, mas não conseguia. A única coisa que vinha na minha cabeça era a
ideia de que com certeza o beijo de ontem não tinha sido o primeiro entre os
crescidos Ann e Josh.
Corri
pela escola em busca do bebedouro mais próximo, eu precisava de água. Precisava
respirar, porque eu com certeza estava ficando roxa. O que eu poderia ter feito
de tão terrível com Josh pra que todos tivessem visto e precisassem comentar
depois. Pior do que ter feito, era a sensação de não saber de nada do que tinha
acontecido, de não lembrar. Eu me sentia uma inválida! Quando achei, bebi água
até não aguentar mais, até sentir minha barriga não aguentar mais. Quando me
levantei, Lola estava atrás de mim.
-
Tem certeza que não se lembra de nada? – Ela ria – Como assim? Você bebeu tanto
assim naquela noite? – Ela me encarava, curiosa. Também não gostaria que ela
soubesse que eu havia usado o maldito comprimido, porque todos sabiam que eu
era a mais careta dali nessas questões, até porque eu só estava mantendo a pose
e não tentando ser uma deles de verdade.
-
Eu não me lembro de nada do que aconteceu naquela festa! – Eu falei,
pausadamente, encarando-a. Ela jogou a cabeça pra trás, ainda com ar de riso,
mas sua gargalhada não teve som.
-
Na sexta à noite você aloprou de vez! – Ela começou a contar, rindo. – Você
dançava como uma louca na pista de dança. Mexeu com todos da escola, gritava e
ria como se não estivesse em si. Parecia estar se divertindo e o melhor de
tudo... Você não o fez sozinha. – Foi quando um sorriso maldoso brotou nos
lábios dela – Josh também estava assim. Muito louco. Eu não sabia que ele era
tão interessante desse jeito... – Encostei-me na parede próxima ao bebedouro,
colocando a mão na testa. Sentia que queria começar a suar. – E teve uma hora
que vocês começaram a dançar bem agarradinhos e quando eu olhei pro lado vocês
já estavam subindo as escadas se agarrando como animais.
Não
aguentei, minhas pernas fraquejaram e eu fui descendo, encostada na parede, até
achar o chão. Só conseguia ouvir a risada de Lola ao longe.
-
Depois de um tempo... – Ela se abaixou ao meu lado, continuando a falar – vocês
desceram, com as roupas bagunçadas, seu cabelo todo para o alto e continuaram a
dançar como se nada tivesse acontecido. – Ela não me encarava, olhava para os
pés das pessoas que passavam a nossa frente, com um sorriso esboçado no rosto e
movia a mãos ligeiramente enquanto falava. – Daí depois vocês foram mais
normais... Você subiu na mesa, pensei até que fosse tirar a roupa. Dançou muito
e bebeu mais, depois foi com o Josh pra casa – Ela agora tinha sentado e
começar a rir demais do meu lado. Eu não sabia onde enfiar a cara, e precisava
falar com Josh sobre o acontecido e me subiu uma vontade imensa de correr pela
escola atrás dele.
Ia
me levantando sem nem avisar a Lola, mas ela interrompeu meus pensamentos,
levantando junto comigo e puxando meu braço enquanto perguntava:
-
Você não estava cheia de raiva dele, agora estão amigos como antes? – Ela tinha
os olhos apertados, me examinando novamente. Buscando qualquer demonstração de
medo que eu pudesse dar. Eu me controlava, e o que dizer agora? Eu saberia que
se dissesse que estava querendo voltar a ter amizades com o Josh seria o fim da
minha amizade com Lola. E será que eu queria mesmo continuar com essa relação
que tinha com Lola e os revoltados da escola? Por outro lado eu tinha muito que
averiguar sobre Josh. Eu nem sabia se ele estava me falando a verdade. Não
tinha a certeza se ele tinha virado um riquinho chato de Los Angeles, daqueles
que só vão atrás da menina estranha por uma aposta. Ele podia muito bem ter
dito aos amigos do litoral que voltaria e não demoraria nem uma semana pra
conquistar a amiguinha perdida de Jersey City. Deve ter até dito que eu fiquei
esperando, que ficava no pé dele e que sempre fui perdidamente apaixonada. O
quanto eu estava farta de não saber a verdade. O quanto eu estava confusa com
aquela história toda. Eu podia ser triste com Lola e seus companheiros, mas se
tinha uma coisa que eu não era, era confusa. Eu tinha certeza do que queria e
do meu caminho, mas agora, com Josh, parece que eu não tenho mais certeza de
nada. Ele chegou pra mostrar que nada do que do que eu acreditei há tanto tempo
era verdade. Eu não podia arriscar, eu não podia perder a segurança que tinha
colocando medo nos riquinhos estúpidos com a minha cara amarrada. Eu tinha que
dar a resposta certa.
-
Não, eu... Nós... A gente não tem nada. Naquela noite eu... Bebi demais! – Eu
gaguejei. Ai, caramba. Gaguejei. Mas eu acho que ela não notou, ou não deu atenção,
porque apenas relaxou os ombros e sorriu de canto.
-
Realmente, o que a bebida não faz, não é? – E com o mesmo sorriso, se retirou,
andando para o fim do corredor. Bufei por uns segundos, agradecendo por ela ter
ido embora e me deixado sozinha com meus pensamentos. Porém, quando me virei
para ir à direção contrária, dei de cara com Alex, o famoso Stinky, bem atrás
de mim. Aqueles olhos verdes me liam como ninguém. Na mesma hora pensei que ele
soubesse de tudo. Da minha confusão, da minha indecisão, do meu passeio no
parque com o Josh, do beijo... De tudo. Fiquei parada, encarando-o, sem
conseguir dizer uma palavra.
-
Sei o que usou na sexta... – Ele começou, movendo apenas os lábios e me
encarando friamente – E te perdoo por isso, mas... – Ele fez uma pausa. Logo em
seguida, soltou um sorriso fraco, meio debochado – eu não gosto de você com
esse tal... Josh? – E da mesma forma que chegou, foi embora, para a mesma
direção que Lola havia me deixado.
Segui
andando, então. Não conseguia parar de pensar em tanta informação que tinha
recebido, ainda mais pra uma segunda de manhã. Era minha aula de Biologia e com
certeza encontraria Josh, era uma das aulas que tínhamos juntos. A primeira, na
verdade. O que me fez lembrar o vexame que demos na primeira aula. Vexame, não.
Ele mereceu aquilo e eu só falei a verdade, só que fomos assunto durante toda a
semana (e pelo visto, continuaremos sendo por mais um tempo).
Com
passos curtos, eu fui caminhando devagar até o laboratório onde sempre era a
aula desde que me comecei a estudar naquele prédio e encontrei a porta aberta.
Algumas pessoas já estavam em sala e o professor estava sentado em sua mesa, de
olho em alguns papéis. Quando cheguei, todos os que estavam presentes me
encararam e sorriram de canto. Agora eu sabia o que pensavam e fiquei super sem
graça. Não podia deixar que percebessem, afinal, eu ainda era temida... Ou
devia ser. Quem nunca faz besteiras em dias de bebedeira? Era mais complicado
para o pessoal daquela aula, pois eles tinham visto a briga com Josh na íntegra
e a notícia da festa do Mcguire deve ter feito cair por terra a minha pose de
“sou a garotinha ressentida”, eles com certeza pensariam assim. Mas não era
verdade! Eu estava ressentida, eu odiava Josh. O que ocorreu na sexta foi
completamente apagado de minha memória, o que significa que eu nem devia ter
feito, na minha própria leitura.
O professor notou
que eu fiquei um bom tempo parada e perguntou se eu não iria me sentar, se
estava me sentindo bem. Não respondi, como nunca o fazia, e segui para o meu
lugar de sempre, na última bancada, na última cadeira. Naquele lugar, com a
cadeira vazia ao meu lado, eu só conseguia pensar em quando Josh chegaria. Eu
precisava mesmo conversar com ele sobre o acontecido e dar um ponto final
naquilo. Ao mesmo tempo, a dor de dar um ponto final com tantas coisas não explicadas
me travava. Se eu acabasse com nossa amizade de vez, ali mesmo, eu estaria
impondo algo, não seria natural. Era arriscado, porque eu poderia estar sendo
culpada e bem egoísta. Foi aí que meu pensamento começou a divagar para o que
eu poderia fazer para arrancar a verdade de Josh, ou de qualquer outra pessoa.
Eu só não poderia viver assim, sempre na dúvida, sempre com medo de arriscar e
pular entre o que eu queria fazer ou o que eu achava que deveria. Minha cabeça
estava a mil.
A porta se fechou e
Sr. Hickens começou a aula. Josh não apareceu e eu, definitivamente, não
consegui entender nada, mais uma vez.
Estranho. Muito estranho mesmo, mas
não vi Josh pelos corredores da escola naquele dia. Será que estava doente? Ele
me parecia bem ontem – e muito bem por sinal. Passei o intervalo todo olhando
para os lados e tentando disfarçar para Lola não desconfiar que o procurava.
Gordo e Bafo, assim como eu, não se lembravam de muita coisa, e estavam muito
pior. Deviam ter tomado mais que um comprimido, porque ainda pareciam abatidos,
mesmo depois de dois dias. Ou então seria consequência de qualquer coisa que
tenham feito no final de semana, mas isso não seria uma coisa que eu
perguntaria pra eles. O intervalo pareceu se arrastar e até entre as aulas, eu
não o via passar correndo, ou simplesmente parado, conversando com outras
pessoas. Não seria possível que depois do que aconteceu entre nós dois no dia
anterior ele não viesse nem me cumprimentar, ou explicar as coisas, ou... Eu
começava a desconfiar que eu estava me metendo numa furada. Preocupada demais
com esse menino e ele agindo de jeito estranho. Beijando-me num dia e sumindo
no outro. Ele podia muito bem ser como qualquer um desses meninos da
Califórnia, usando as garotas como objetos, se achando os maiorais só porque
eram riquinhos. Achando que poderiam ter quem quisessem.
No
fim da aula eu já estava sem paciência para nada. A ausência de Josh naquele
dia em que eu tanto precisava conversar com ele, contar sobre o acontecido,
justamente no dia em que nós éramos assunto pra toda a escola, me deixava
morrendo de raiva... E com inveja, confesso. Eu poderia ter faltado, como ele,
e não teria que passar por aquele tipo de humilhação. Todos sabendo da minha
vida e eu a única que não estava a par, era como se eu não controlasse meus
atos... Eu sei, não é fácil entender a minha cabeça e muito menos fingir que se
é uma tremenda irresponsável, sendo que você tem repulsa em ser... Tentar se
mostrar mais forte só pra conseguir lutar por um ideal e ainda mais quando se
tem tantas coisas entrando nesse caminho, como, por exemplo, seu coração.
Segui
andando sozinha, como sempre, para casa, tentando tirar da cabeça que durante
todas as 5 horas que passei naquela prisão, todo mundo não tirou os olhos de
mim nem um segundo. Eu me sentia aquela menina indefesa de novo, a estranha que
tinha depressão e que não conseguia fazer amigos. Eu começava a sentir aquela
dor novamente e aquilo não era bom. E era pior ainda assumir que tudo o que meu
corpo e minha mente pediam era ele. Que ele aparecesse para enfrentar aquilo
tudo comigo, mas ele não surgiu. Estava próxima de casa, há apenas uma casa da
residência dos Hutcherson quando ouvi passos correndo atrás de mim e uma mão
parando em meu ombro, seguida por uma voz inconfundível.
-
Ann! – Josh acabara de me parar. Eu virei para trás e ele usava o uniforme do time
de basquete da escola. Estava suado, os cabelos meio molhados e tinha um
sorriso enorme no rosto.
-
Por onde você esteve? Por que não foi a escola? – Eu parei, virada para ele, já
começando meu discurso inspirado pra mostrar o quanto ele estava sendo um
irresponsável por ter matado aula.
-
Não! Eu estava na escola! – Ele riu e eu franzi as sobrancelhas. Como assim? Eu
podia garantir, ele não estava. E mesmo que estivesse, ele cabulou aulas. Ele
não assistiu à aula de Biologia. Comigo.
-
Como assim? Eu não te vi! – Eu não podia acreditar que já na segunda semana de
aulas, ele já estivesse se metendo em encrencas. Estava melhor do que eu
consegui fazer em quatro anos, mantendo a minha pose de durona.
-
Andou procurando por mim, é? – Ele se deu um passo em minha direção enquanto me
encarava com um olhar sedutor. Eu ri, dando um passo pra trás e fingindo
indiferença. Como ele poderia ser tão prepotente?
-
Cala a boca e me explica agora que história é essa? E qual é a desse uniforme
ridículo? – Eu cruzei meus braços e esperei que ele me desse mais uma de suas
desculpas.
-
O treinador liberou quem faria o teste para o time de basquete das aulas, hoje.
Estava na quadra. – Ele falou, como se fosse a coisa mais fantástica do mundo,
mas eu já estava começando a odiar a ideia. Basquete? Ele tentou mesmo entrar
para o time? Quer o quê? Se enturmar com os populares e se tornar mais um
idiota, metido a besta que assusta a todos com sua pose de bonzão só porque tá
num time?
-
Pera, você tentou mesmo entrar pro time de basquete? – Eu perguntei, ainda sem
acreditar... Depois de tudo o que conversamos.
-
E você nem vai acreditar – Ele me interrompeu, sem nem prestar atenção no que
eu tinha dito, não se contendo de tanta felicidade – Eu passei! Tô no time! O
treinador disse que eu sou um dos melhores desse ano!
-
Você tá no time? – Eu quase gritava, abrindo os braços, as mãos abertas. Eu não
podia acreditar que eu já o tinha perdido, assim tão fácil. E eu pensando que
ele tinha me ouvido durante todos esses dias.
-
Eu to! Não é o máximo? – Ele perguntou, ainda sorrindo, mostrando todos os
dentes.
-
Não! Será que você... – Eu engasguei, confesso que estava exagerando, mas eu já
estava com raiva por muitas outras coisas. Muitas mesmo. A minha cabeça estava
uma bagunça e já não dava pra controlar as emoções – é estúpido ou o quê? É
assim que você quer que fiquemos juntos? – Ele me encarava sem entender e eu
tratei de retificar, quando percebi o que havia dito – Como amigos... É assim
que quer que sejamos amigos? Eu te disse que isso tudo era manipulação... Era
como eles te separavam, te dividiam, te rotulavam...
-
Ann, espera. Você não tá sendo muito radical? – Ele falou, mas eu nem dei tempo
para que ele respirasse.
-
Não! Não! Não! Você quer ser um deles. Sente saudade, não é? Da sua época de
popularidade em Los Angeles, não é verdade? – Eu sorria com sarcasmo. – Eu te
disse: Eu não me misturo com esse tipo de gente e os novos amiguinhos que você
vai fazer são exatamente assim. Estúpidos, fúteis, um bando de idiotas! –Ele
apenas me olhava, parecia esperar a deixa certa para falar no meio do meu
discurso de revolta. Nem eu mesma sabia se eu conseguiria parar de falar, eu
tinha tanta coisa que queria tirar do meu peito, que eu poderia explodir em
xingamentos a ele até o dia seguinte, só por causa daquele teste.
-
Eu não sou como eles! Não entende? – Ele falou, com pressa, no momento em que
parei pra reorganizar meus pensamentos.
-
Diz que não é agora! Mas não vai demorar muito pra se tornar. Você já me
abandonou uma vez, não é? Não vai ser difícil fazer de novo! – Eu virei as
costas e saí andando, no ímpeto da revolta, e ele segurou meu braço, mas eu
estava com tanta raiva que me soltei facilmente.
-
Ann, por favor...
-
Não! – Eu interrompi, com a respiração pesada. – Eu te esperei um tempo enorme
hoje porque precisava conversar com você, mas você estava no seu grande teste
com seus grandes amigos. E a partir de agora vai ser sempre assim... – Pausei. Examinei-o de cima a baixo,
percebendo seu uniforme. Meu estômago revirou. – Ei, Josh. Onde estão seus
sapatos caros? – E mexendo a cabeça em negação a tudo aquilo eu segui os poucos
passos que faltavam até a minha casa.
Eu
cheguei batendo os pés, bufando, soltando fogo pelas ventas, como se não
houvesse amanhã. Bati a porta da frente e minha mãe estava na sala, com seu
costumeiro uniforme de trabalho (um terninho cinza nada bonito) e juntou as
sobrancelhas quando me viu entrar como um furacão.
-
Filha? Está tudo bem? – Ela perguntou e eu parei na porta da sala com um
sorriso forçado no rosto, tentando transparecer tudo, menos meu o ódio que
estava sentindo no momento. Não esperava que ela estivesse em casa naquela
hora.
-
Tá, mamãe! – Eu sorria grande, com certeza deveria estar parecendo um
monstrinho. – Tudo bem. – Eu ia me preparar para subir quando ela disse as
últimas palavras que eu queria ouvir naquela hora.
-
Tem visto Josh na escola? – Ela tinha um sorriso tímido pra mim e eu fiquei
séria na mesma hora. Não respondi de imediato, apenas a encarava. Ela parecia
esperar mais do que ansiosa a minha resposta, e até parecia um pouco tensa.
-
Hm... Bem, na escola? Não muito. – Eu respondi, mas não esperei que ela
dissesse mais coisas. Subi correndo as escadas e entrei no meu quarto, fechando
a porta para conseguir pensar. Joguei a mochila em cima da cama e levei as mãos
ao rosto, tentando relaxar e raciocinar de verdade, sobre tudo o que tava
acontecendo nessas duas semanas, desde que Josh havia decidido voltar, sem
aviso prévio.
Ele
sendo tão diferente de mim e ao mesmo tempo tão necessário. Toda a falta que
ele me fez querendo ser compensada e freada pelo meu desejo incontrolável de
ser uma reacionária, ir contra a sociedade e mostrar que eu não sigo regras.
Ele sendo incrivelmente popular na Costa Oeste e de repente vindo com
historinhas de que nunca me esqueceu, de que sempre pensou em mim, de que me
mandava... Cartas. Lembrei então, da história das cartas e de mais um monte de
detalhes que ainda não havia parado, nem por um segundo, pra tentar decifrar.
Coisas que eu tinha a investigar. Ele estaria falando a verdade? E minha mãe,
me avisando sobre a volta dele tão animadamente, mas só me perguntando sobre
ele depois de uma semana. Meu atestado do psicólogo que nunca foi verdadeiro.
Abri a porta do quarto e desci as escadas da mesma forma que subi, como uma
bala. Minha mãe estava passando, indo em direção a cozinha e se assustou com a
minha pressa.
-
Não vai trabalhar? – Perguntei, antes que ela dissesse alguma coisa.
-
Hoje fui liberada mais cedo. Está acontecendo um evento na empresa e eu decidi
vir pra casa, pra adiantar alguns papéis – Ela sorria, mas como sempre fora,
desde que eu comecei a frequentar o psicólogo, ela parecia ter medo de dirigir
a palavra a mim. Como se escondesse tanta coisa.
-
Hm... – Eu disse, e pensando que eu não continuaria, ela seguiu o caminho que
estava fazendo antes. Mas eu não parei. – Mãe, lembra-se do meu psicólogo?
Ela
parou subitamente, as costas tensas, mas não olhou pra mim.
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