Sinopse

Era uma amizade. Uma promessa. Eles ficariam juntos pra sempre, não importava o tempo que passasse. Ele foi embora, ela esperou. Mas os tempos mudam, as pessoas mudam. E as promessas? Ele resolveu voltar. Ela não é mais a mesma. E os dois, será que esse ainda existe?

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Velha Infância



         O sol batia no meu rosto fazendo a região acima dos meus olhos doer. Ainda que estivessem fechados, pareciam queimar. Aos poucos fui abrindo as pálpebras e notei o forro de madeira do teto do meu quarto. Não consegui assimilar mais nada porque uma pontada forte na minha cabeça me fez gritar de dor. Foi quando notei algo se mover ao meu lado e um menino branco, com os cabelos escuros  bagunçados se levantar afobado do meu lado como num susto.
         - Josh! – Eu falei, dando um pulo. Ele estava deitado na minha cama do meu lado e eu não fazia ideia do porque dele estar ali. Na verdade, eu não fazia ideia de muita coisa que havia acontecido nas últimas... Procurei o meu celular na cabeceira da cama e não encontrei. Sentei-me na cama e passando a mãos nos meus cabelos vasculhei o quarto com o olhar apertado pela claridade que ainda machucava, a procura do meu celular. O encontrei do outro lado do quarto, perto dos meus sapatos. Levantei-me e peguei o mesmo, vendo que já eram quase 13 PM. Virei rapidamente para Josh. Ele ainda estava deitado na cama, mexendo na cabeça, com os olhos fechados. Tinha a blusa amarrotada no corpo e parte da barriga aparecendo, o que me fez morder os lábios involuntariamente – eu não conseguia negar, ele era absurdamente atraente. Foi quando notei a bagunça que estava o meu quarto. Os lençóis embolados e vários pelo chão, junto com as almofadas da minha cama, que por acaso estava torta. O meu abajur tinha sido virado e estava prestes a cair do criado mudo e um dos sapatos de Josh estava pendurado no puxador do meu armário. Deus do céu, o que fizemos?
         - Josh! Por favor, eu não lembro nada do que aconteceu nas últimas quinze horas! – Eu me sentei ao lado da cama, realmente preocupada. Comecei a sentir minhas mãos tremerem.
         - Eu... Sei lá... – Ele passava as mãos pelos olhos, e falava em gemidos – Nossa, porque a minha cabeça dói tanto? – Ele se sentou ao meu lado na cama e me olhou, com os olhos também apertados, como eu imaginava que os meus estariam.
         - Espera, espera... Não é possível que não nos lembremos de nada! – Eu encarei o teto, respirando fundo, tentando parecer calma, o que parecia quase impossível – Vamos recapitular... Ontem, ontem... A festa do Peter! Claro! Foi lá que nos metemos nessa confusão... – Eu falei, parecendo tirar um peso das costas. Não tínhamos descoberto nada concreto, mas já era um ótimo começo. Ótimo em termos. Tratando-se de uma festa de Peter Mcguire, as coisas podiam não ser tão legais assim.
         - Ok, claro... – Ele cruzou as pernas em cima da cama, estava com um pé de meia e outro sem. – Eu me lembro de ter chegado à festa e estar procurando alguém com quem pudesse ficar. Foi quando eu te vi subindo as escadas...
         A minha mente clareou completamente. Eu exclamei:
         - Isso! Foi quando conversamos naquele quarto sobre...
         - A gente. – Ele me interrompeu, cauteloso. Tinha um sorriso tímido nos lábios – E depois disso... – Ele forçou a vista, parecendo investigar algo no fundo do seu cérebro. – Ah, depois disso bateram na porta e te...
         - Gordo! – Eu gritei – Ele bateu na porta e me deu... – Eu respirei fundo e abaixei a cabeça, apoiando minha cabeça nas mãos. Eu sabia o que tinha acontecido, porque eu fui uma estúpida em deixar que acontecesse. Como eu pude ser tão irresponsável? – Ele me deu as balinhas! – Eu completei, olhando pra Josh com todo o pesar que tinha por ter metido ele nessa.
         - Ah... As – Ele fez aspas com as mãos antes de completar – “balinhas”.
         - Tá, já passou. A questão é que usamos... Em alguma parte a gente sabe que tudo apaga...
         - Quando começam a fazer efeito? – Josh disse, me interrompendo.
         - Não exatamente... Pode ser qualquer momento. – Eu respirei fundo e olhei para o teto, tentando encontrar forças pra não me matar por ter sido tão idiota de ter usado uma coisa daquelas. Eu podia ter feito coisas que eu vou me arrepender pro resto da minha vida. Eu posso ter cometido crimes! – Tá! – Gritei. Não porque Josh estivesse me interrompendo ou irritando, era mais para calar os meus pensamentos. – Eu me lembro de sair do quarto, dançar, beber muito... Você estava comigo – Eu tinha os olhos fechados, tentando pensar. – E aí apaga tudo – Completei, abrindo os olhos.
         - Eu nem disso lembro, não me lembro de bebida, mas lembro da pista de dança – Ele sorriu, como que gostasse daquilo, ou tivesse sido uma lembrança boa. Eu não conseguia entender e nem conseguiria com os meus próprios problemas me assolando.  – Posso usar seu banheiro? – Ele perguntou, me fazendo acordar.
         - Claro, fica a vontade. – Concordei e ele passou por cima de mim na cama, indo até meu banheiro e fechando a porta. Fechei os olhos mais uma vez e minha cabeça doía demais. Olhei ao redor do quarto e percebi que meu casaco estava na maçaneta da porta. Olhei minha roupa, minha blusa, e percebi que... Estava sem sutiã. – Meu Deus, cadê meu sutiã? – Falei, mais alto do que queria, já que eram pensamentos meus.
         - Não sei onde estão, mas provavelmente junto com a minha cueca. – Josh disse, gargalhando, enquanto saía do banheiro, ajeitando a calça. Eu o encarei com a boca aberta, assustada.
         - Você ta sem cueca? – Eu perguntei, sem acreditar – Mas a sua calça estava abotoada, não? – Ele ainda ria enquanto eu falava e aquilo começava a me irritar.
         - Eu sei, mas tem muita coisa que a gente não ta entendendo hoje, não é? Essa é mais uma delas, só isso... – Ele dizia, tranqüilo, enquanto eu estava prestes a surtar de uma vez.
         - Como você pode estar tão... – Eu estava indignada. Ele riu mais alto. Levantou e pegou seu celular.
         - Nossa, quatro chamadas perdidas. – Ele franziu as sobrancelhas. – Minha mãe deve estar preocupada, eu tenho que ir.
         - Ok, deixa eu ver se ta tudo bem pra você ir embora – Levantei-me e abri a porta do quarto, olhando os lados do corredor. Desci correndo pela escada, quase tropeçando nos degraus, pois minhas pernas doíam muito, chamando por minha mãe. Nenhuma resposta. Por meu pai. Também nenhuma. Mordi o lábio e corri de volta pra cima, chegando ao final da escada e parando, para amenizar a tontura e as dores. Respirei fundo e chamei por Josh.
         - Pode sair... Não tem ninguém em casa. – Ele saiu do quarto, ainda com cuidado. Devagar me encontrou e pegou na minha cintura, me olhando nos olhos. Estávamos muito próximos e eu sentia suas mãos me acariciarem lentamente. Ele se inclinou e beijou a minha testa, com delicadeza. Mordi o lábio e respirei fundo.
         - Passo rápido, não precisa me acompanhar. Vê se descansa. – E daquela forma ele desceu as escadas, com suas roupas bagunçadas e o cabelo emaranhado.

         O resto da tarde passou muito mal. Eu não tinha forças pra muita coisa e ficava pensando no que tinha feito e em como eu tinha sido estúpida. Os efeitos colaterais eu resolvi procurar na internet, o que tinha me apavorado mais ainda. Passei a tarde toda no quarto e meus pais chegaram 20 minutos depois que Josh havia saído. Meu pai bateu em minha porta e me perguntou que horas eu havia voltado na noite anterior. Nem eu mesma sabia, então menti: disse que cheguei as duas... Horário que eu tinha certeza que eles estariam dormindo. Ele não questionou, nem brigou dizendo que sabia que eu não tinha chegado àquela hora. E até era possível que eu tenha chegado nessa hora, ou antes disso. Bem, se eles não viram Josh, o problema seria menor.
         Saindo do quarto apenas para comer, eu acompanhei pela janela o sol se por e a noite chegar. Em um momento, quando estava com os fones de ouvido, resolvi reparar na janela, que permaneceu aberta durante todo o dia. Josh estava lá, andando de um lado para o outro e eu sorri fraco, mesmo sem sentir. Devo ter ficado algum tempo encarando porque ele notou e parou, sorrindo pra mim. Corei ao ser pega. Ia sair, mas ele fez um gesto para que eu esperasse. Fiquei curiosa e o fiz. Um minuto depois ele voltou com um papel grande onde estava escrito: “Domingo = Eu e você. Que tal?”. Eu gargalhei. Pedi que ele esperasse e fui atrás de um papel e uma canetinha. Encontrei, escrevi e corri para que ele lê-se: “O que você quis dizer com isso?” Ele sorriu e pegou um papel que estava atrás do que ele segurava e escreveu, mostrando-me em seguida: “Passo aí as 11 AM. Prepare sua bicicleta”. Eu li e já ia escrever-lhe na parede, de tão indignada que eu estava os xingamentos não caberiam numa folha de papel. Quem disse que eu iria? Mas ele não deixou que eu respondesse e já levantou logo outro papel: “Por favor, eu prometo que vai ser bom”. Eu o li e respirei fundo. Eu queria aceitar, apesar de tudo. Preferi não prolongar a conversa. Acenei com a cabeça, aceitando o convite.

         Eram exatamente 11 AM. Eu estava no banheiro, escovando os dentes após ter tomado um café da manhã fraco, não estava mesmo com fome. O dia havia amanhecido ensolarado e eu não colocava muita fé no convite que Josh havia me feito na noite passada. Achava que ele estava brincando, com certeza. Quando saí do banheiro, ajeitando os cabelos, notei barulhos na minha janela. De longe, percebi que pedrinhas batiam nela com uma força até grande demais. Quem era o filho de uma boa mãe que estava querendo quebrar minha vidraça? Dirigi-me a janela para xingar até o décimo antepassado do infeliz quando me deparei com um garoto mais do que sorridente, olhando pra cima, com cara de criança feliz. Ri alto quando percebi que ele não estava pra brincadeiras.
         - São 11 horas! – Ele disse.
         - Eu sei! – Gritei.
         - Te espero no portão... – Ele falou, já quase saindo. Interrompi.
         - Não, segura aí! – Eu peguei minhas coisas, coloquei no bolso e saí pelo pequeno espaço que ficava bem embaixo da janela do meu quarto. Não era grande, mas era bem forte, por isso eu chamava de terraço. Dele tinha uma grade de plantas, que meu pai – na época em que resolvi começar a dar de rebelde – cortou pela metade, para que ninguém pudesse subir por ela. Apoiando-me, desci por ali e quando a grade acabou gritei para Josh – Agora! – E pulei. Por sorte a altura não era grande e ele até que estava bem ligado. Segurou-me com os dois braços e cambaleou um pouquinho, pela força. Sorri e desci logo de seu colo, antes que alguém saísse e pudesse pensar muitas coisas.
         - Não vai avisar seus pais? – Ele perguntou, preocupado.
         - Não... Ando sendo boazinha demais. – Falei e ele riu. Minha bicicleta estava bem ali, encostada na parede da lateral da casa, bem embaixo do meu quarto. Peguei, subi, Josh fez o mesmo e saímos pela rua, pedalando como antigamente.

         Era bom sentir o vento nos cabelos depois de tanto tempo. Logo que Josh foi embora, eu abandonei as bicicletas de toda a forma, porque me lembravam dele. Era algo que eu deveria fazer com ele. Se não o fizesse era como se estivesse traindo-o, mas era uma coisa que eu sempre amei e era difícil ficar sem pedalar. Na tentativa de me tirar da maré de rebeldia que eu enfrenta, no segundo ano meu pai me deu essa bicicleta que eu tenho agora, pois ele sabia que desde pequena era uma coisa especial pra mim. Não o fiz devolver porque eu não era sem coração dessa forma, e a bicicleta era linda, num lilás muito bonito, eu deveria aceitar, mas não de qualquer jeito. Pra minha pose de durona, eu só pegava nela quando estava muito atrasada para algum compromisso e por isso a enchi de caveiras e pintei de preto.
         Agora, com Josh comigo novamente, eu me sentia nova. Sentia-me com 10 anos de novo, brincando de corrida, e com hora pra chegar em casa. O clima era tão agradável para um dia de outono que qualquer um pensaria que era o ápice do verão. Queria pegar velocidade, mas não poderia. Nem sabia pra onde íamos e estava à frente. Reduzi e fiquei ao lado de Josh.
         - Para onde vamos? – Perguntei, já querendo tomar a dianteira.
         - Siga-me! – Ele disse, acelerando e eu bufei. Ele sabia muito bem que eu odiava ser deixada pra trás. Passando por algumas ruas tortuosas, pegando pequenas vias de trânsito, eu descobri que conhecia o caminho que ele estava fazendo. Pedalei mais depressa, tentando chegar mais perto dele e gritei:
         - Liberty State Park! – Ele me olhou rapidamente, sorrindo, e eu soube que tinha acertado. Dessa vez, então, acelerei e tomei a frente do caminho, sabendo pra onde estava indo. Chegando em frente ao local parei, esperando por ele que parou segundos depois.
         - Você não muda, não é? – Ele perguntou e eu ri. – Vamos pedalando mais devagar, apreciar a paisagem.
         E foi o que fizemos. Pedalando numa velocidade quase de idosos, fomos olhando tudo aquilo que eu estava cansada de ver, mas que ele estava morrendo de saudades. Em certo momento, paramos juntos e decidimos descer e caminhar com as bicicletas ao nosso lado, indo em direção ao Rio Hudson. Ao chegarmos na beira, paramos para admirar, nos apoiando nas grades. O ouvi suspirar.
         - O que te fez ficar assim, hein? – Ele não olhava pra mim ao perguntar e eu ri.
         - Dã? Você? A gente já não falou disso? – Eu brinquei, não sei porque estava sendo tão tranquila com ele, brincando e sendo amável.
         - Não – Ele riu junto, ainda sem me olhar – Perguntei assim tão... Gótica. Porque você poderia ter reagido de várias maneiras, mas porque resolveu mudar justo pra... Evanescence? – Eu gargalhei com a comparação dele. Olhei para os barcos no rio, passeando devagar. A balsa levando as pessoas para New York.
         - Ah, o look meio gótico é o mais escolhido entre adolescentes com problemas psicológicos desenvolvidos. – Eu virei meu rosto pra ele e ele fez o mesmo, sorrindo pra mim. Não aguentei olhar muito, voltei a encarar os barcos – Sem contar que é meio um protesto a tudo o que eu odeio aqui... Não é de tudo mentira.
         - Como assim? – Ele me perguntou e finalmente senti seu olhar em mim. Olhei para ele, em resposta.
         - Sabe o quanto o colegial tá errado? Sabe o quanto essa separação entre grupinhos é... Ridícula? – Eu tinha a voz com revolta mesmo. Ele sorriu de canto.
         - Por favor, não vai começar com um discurso inspirado de filmes adolescentes... – Ele estava brincando, eu sabia. Tentei rir, mas eu estava falando sério.
         - É que, magoa... E eu fui vítima disso. Não que eu tenha sofrido bullying ou coisa do tipo – Eu ri com a ideia, realmente tudo parecia muito ideia de longas adolescentes que vendem como água. – É só que... Eu tive um problema. Sério. E não tive um amigo sincero pra me ajudar. Eu nunca tive, na verdade... Só... – Eu completaria, mas não o fiz. Apenas o encarei e ele entendeu o que eu queria dizer, abaixou a cabeça, desviando os olhos dos meus. – As pessoas não podiam me ajudar, eu era a estranha. Eu sempre fui: Não era rica, não tinha as melhores roupas e só tinha um amigo e ainda por cima um menino. E nem era por não quererem “realmente”, era algo imposto a elas... E que elas aceitavam. – Mexi nas grades e sorri com uma lembrança – Sabe, na quarta série? Quando Brittany Williams apareceu com aqueles sapatos da propaganda do casal cantor da novela pra crianças? Aquela novela ridícula que você ia assistir lá em casa? – Eu ria alto com a lembrança. Ele me acompanhava.
- Lembro... Qual era o nome mesmo? Algo que tinha a ver com doces... – Ele ia continuar lembrando, mas eu precisava terminar meu raciocínio.
- Sim, mas essa não é a questão. Lembra que todos queriam aqueles tênis e ela se tornou a garota mais legal só por causa deles? – Eu o olhava, tentando ativar aquela memória tão distante.
- Lembro, você chorou pra sua mãe comprar aquele tênis um tempão e ela te deu uma lista de foras imensa... Disso eu lembro – Ele ria que chegava a bater nas grades de prazer. Encarei-o, séria. Como ele poderia ser tão infantil da mesma forma que fora há anos atrás?
- Deixa de ser idiota, Joshua! – Eu sorri de canto, quebrando o gelo – A questão é que, nada mudou. Ainda é assim! Tudo! – Eu virei novamente para o rio, respirando fundo - Quando eu entrei nessa fase dark percebi que realmente esse pessoal era um bando de idiotas. A grande maioria dali. Não viveu, não sabe o que é a vida real e não tem nenhuma preocupação com ela. Acham que o Ensino Médio vai durar pra sempre... Tudo é o status na escola, tudo é a marca numa roupa. Tudo são sapatos caros...
         - Tem uma música assim... – Ele se distraiu e tentando lembrar começou a batucar um ritmo nas grades. Eu ri.
         - Eu costumo brincar que é bem a minha cara... – Ele me encarou, com os olhos estreitos. Cantei então – All the other kids with them pumped up kicks. You better run, better run… Outrun my gun*
         Ele me encarava com um olhar assustado e eu caí na gargalhada, jogando o corpo pra trás e me segurando na grade.
         - Meio forte não? – Ele me olhava com os olhos estreitos e sorrindo um pouco. Eu não aguentei e lhe dei um tapa fraco na nuca.
         - Não se preocupe, eu não tenho uma arma...

         Almoçamos cachorro quente, por perto do Liberty State Park mesmo, e demos mais algumas boas voltas pelo local, rindo e brincando como se fossemos duas crianças se divertindo, coisa que eu não fazia há sete anos e como eu nunca pensei que fosse fazer novamente. Naquela tarde inteira eu esqueci que tinha raiva, esqueci que estava fingindo ser a menina rebelde que não se preocupa com o que os outros dizem. Às 4 PM estávamos já próximos de casa e decidimos apostar corrida. Como sempre, eu na frente, suspeitando de que ele estava me deixando ganhar de propósito.
         - Vamos parar no parque! – Ele gritou e aqui foi como um deja-vu. Respirei fundo e pedalei mais forte, chegando primeiro e sentindo-o parar como um ciclista profissional ao meu lado. 
         - A gente podia sentar num banco, não? – Ele perguntou e eu não respondi nada. Meu coração estava acelerado inexplicavelmente, só conseguia seguir os passos dele. E ele, propositalmente, parou lá. Naquele banco. Onde sete anos atrás ele disse que iria embora e que eu faria falta... Sentamos, deixando nossas bicicletas apoiadas nos arbustos. Ficamos num silêncio desconfortável enquanto um passarinho passava cantando perto de nós.
         - Sabe que foi aqui que... – Eu tentei começar, mas ele me interrompeu.
         - Acha que esqueceria? Aqui que prometemos... – Ele não falou mais nada, olhou para o chão por um momento e logo em seguida colocou as duas pernas pra cima do banco, abraçando os joelhos. – Eu não vou cansar de me desculpar com você!
         - Não se preocupe, Josh. Palavras podem ser bonitas, mas certas coisas só vêm com o tempo... – Eu não o encarava enquanto falava, olhava à rua a nossa frente.
         - Eu sei, e eu adorei o dia que tivemos hoje. – Ele falou, rindo. Levantou-se e estendeu a mão para que eu me levantasse também. Ficamos de frente um para o outro.
         - Foi bom sim... – Eu encarei o chão por alguns segundos, mas tomei coragem e resolvi falar de uma vez o que não saía da minha cabeça. – Lembra também que foi aqui que...
         - É – Ele me interrompeu, rindo, com as mãos nos bolsos. Eu ri de volta – Eu lembro bem disso...
         - É que... Depois que eu cresci – Iniciei o discurso, disparando tudo como uma metralhadora de palavras – e comecei a realmente pensar nessas coisas, eu fiquei me perguntando se não foi um absurdo? Sabe, éramos duas crianças, você estava prestes a se mudar, e o que teria sido da nossa vida de isso fosse anos mais tarde? E se você não tivesse que ir embora? E se...
         Beijo. Josh encurtou a distância entre nós e me beijou, como da primeira vez, no mesmo lugar, embaixo das mesmas árvores. Só que dessa vez não era tão inocente. Ele me pegou pela cintura e uniu nossos lábios de forma urgente. No início tomei um susto, mas o senti pressionar os dele nos meus e dei passagem sem dificuldade para que sua língua encontrasse a minha. Nossos lábios se movendo devagar, um com o outro. As mãos dele, firmes nas minhas costas, espalmadas e me prendendo junto dele. Aos poucos ele parou o beijo, com selinhos e ao fim, puxou meu lábio inferior com os dele, bem levemente. Eu não conseguia respirar, não tinha palavras pro que havia acontecido.
         - O que aconteceu? – Eu respirava pesadamente, quase sussurrando.
         - Eu não podia ir embora sem fazer isso. – E ele sorriu, simples.

*Todas as outras crianças, com seus sapatos caros. Melhor vocês correrem, melhor correrem, mais rápido que a minha arma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário