O
sol batia no meu rosto fazendo a região acima dos meus olhos doer. Ainda que
estivessem fechados, pareciam queimar. Aos poucos fui abrindo as pálpebras e
notei o forro de madeira do teto do meu quarto. Não consegui assimilar mais
nada porque uma pontada forte na minha cabeça me fez gritar de dor. Foi quando
notei algo se mover ao meu lado e um menino branco, com os cabelos escuros bagunçados se levantar afobado do meu lado
como num susto.
-
Josh! – Eu falei, dando um pulo. Ele estava deitado na minha cama do meu lado e
eu não fazia ideia do porque dele estar ali. Na verdade, eu não fazia ideia de
muita coisa que havia acontecido nas últimas... Procurei o meu celular na
cabeceira da cama e não encontrei. Sentei-me na cama e passando a mãos nos meus
cabelos vasculhei o quarto com o olhar apertado pela claridade que ainda
machucava, a procura do meu celular. O encontrei do outro lado do quarto, perto
dos meus sapatos. Levantei-me e peguei o mesmo, vendo que já eram quase 13 PM.
Virei rapidamente para Josh. Ele ainda estava deitado na cama, mexendo na
cabeça, com os olhos fechados. Tinha a blusa amarrotada no corpo e parte da
barriga aparecendo, o que me fez morder os lábios involuntariamente – eu não
conseguia negar, ele era absurdamente atraente. Foi quando notei a bagunça que
estava o meu quarto. Os lençóis embolados e vários pelo chão, junto com as
almofadas da minha cama, que por acaso estava torta. O meu abajur tinha sido
virado e estava prestes a cair do criado mudo e um dos sapatos de Josh estava
pendurado no puxador do meu armário. Deus do céu, o que fizemos?
-
Josh! Por favor, eu não lembro nada do que aconteceu nas últimas quinze horas!
– Eu me sentei ao lado da cama, realmente preocupada. Comecei a sentir minhas
mãos tremerem.
-
Eu... Sei lá... – Ele passava as mãos pelos olhos, e falava em gemidos – Nossa,
porque a minha cabeça dói tanto? – Ele se sentou ao meu lado na cama e me
olhou, com os olhos também apertados, como eu imaginava que os meus estariam.
-
Espera, espera... Não é possível que não nos lembremos de nada! – Eu encarei o
teto, respirando fundo, tentando parecer calma, o que parecia quase impossível
– Vamos recapitular... Ontem, ontem... A festa do Peter! Claro! Foi lá que nos
metemos nessa confusão... – Eu falei, parecendo tirar um peso das costas. Não
tínhamos descoberto nada concreto, mas já era um ótimo começo. Ótimo em termos.
Tratando-se de uma festa de Peter Mcguire, as coisas podiam não ser tão legais
assim.
-
Ok, claro... – Ele cruzou as pernas em cima da cama, estava com um pé de meia e
outro sem. – Eu me lembro de ter chegado à festa e estar procurando alguém com
quem pudesse ficar. Foi quando eu te vi subindo as escadas...
A
minha mente clareou completamente. Eu exclamei:
-
Isso! Foi quando conversamos naquele quarto sobre...
-
A gente. – Ele me interrompeu, cauteloso. Tinha um sorriso tímido nos lábios –
E depois disso... – Ele forçou a vista, parecendo investigar algo no fundo do
seu cérebro. – Ah, depois disso bateram na porta e te...
-
Gordo! – Eu gritei – Ele bateu na porta e me deu... – Eu respirei fundo e
abaixei a cabeça, apoiando minha cabeça nas mãos. Eu sabia o que tinha acontecido,
porque eu fui uma estúpida em deixar que acontecesse. Como eu pude ser tão
irresponsável? – Ele me deu as balinhas! – Eu completei, olhando pra Josh com
todo o pesar que tinha por ter metido ele nessa.
-
Ah... As – Ele fez aspas com as mãos antes de completar – “balinhas”.
-
Tá, já passou. A questão é que usamos... Em alguma parte a gente sabe que tudo
apaga...
-
Quando começam a fazer efeito? – Josh disse, me interrompendo.
-
Não exatamente... Pode ser qualquer momento. – Eu respirei fundo e olhei para o
teto, tentando encontrar forças pra não me matar por ter sido tão idiota de ter
usado uma coisa daquelas. Eu podia ter feito coisas que eu vou me arrepender
pro resto da minha vida. Eu posso ter cometido crimes! – Tá! – Gritei. Não
porque Josh estivesse me interrompendo ou irritando, era mais para calar os
meus pensamentos. – Eu me lembro de sair do quarto, dançar, beber muito... Você
estava comigo – Eu tinha os olhos fechados, tentando pensar. – E aí apaga tudo
– Completei, abrindo os olhos.
-
Eu nem disso lembro, não me lembro de bebida, mas lembro da pista de dança –
Ele sorriu, como que gostasse daquilo, ou tivesse sido uma lembrança boa. Eu
não conseguia entender e nem conseguiria com os meus próprios problemas me
assolando. – Posso usar seu banheiro? –
Ele perguntou, me fazendo acordar.
-
Claro, fica a vontade. – Concordei e ele passou por cima de mim na cama, indo
até meu banheiro e fechando a porta. Fechei os olhos mais uma vez e minha
cabeça doía demais. Olhei ao redor do quarto e percebi que meu casaco estava na
maçaneta da porta. Olhei minha roupa, minha blusa, e percebi que... Estava sem
sutiã. – Meu Deus, cadê meu sutiã? – Falei, mais alto do que queria, já que
eram pensamentos meus.
-
Não sei onde estão, mas provavelmente junto com a minha cueca. – Josh disse,
gargalhando, enquanto saía do banheiro, ajeitando a calça. Eu o encarei com a
boca aberta, assustada.
-
Você ta sem cueca? – Eu perguntei, sem acreditar – Mas a sua calça estava
abotoada, não? – Ele ainda ria enquanto eu falava e aquilo começava a me
irritar.
-
Eu sei, mas tem muita coisa que a gente não ta entendendo hoje, não é? Essa é
mais uma delas, só isso... – Ele dizia, tranqüilo, enquanto eu estava prestes a
surtar de uma vez.
-
Como você pode estar tão... – Eu estava indignada. Ele riu mais alto. Levantou
e pegou seu celular.
-
Nossa, quatro chamadas perdidas. – Ele franziu as sobrancelhas. – Minha mãe
deve estar preocupada, eu tenho que ir.
-
Ok, deixa eu ver se ta tudo bem pra você ir embora – Levantei-me e abri a porta
do quarto, olhando os lados do corredor. Desci correndo pela escada, quase
tropeçando nos degraus, pois minhas pernas doíam muito, chamando por minha mãe.
Nenhuma resposta. Por meu pai. Também nenhuma. Mordi o lábio e corri de volta
pra cima, chegando ao final da escada e parando, para amenizar a tontura e as
dores. Respirei fundo e chamei por Josh.
-
Pode sair... Não tem ninguém em casa. – Ele saiu do quarto, ainda com cuidado.
Devagar me encontrou e pegou na minha cintura, me olhando nos olhos. Estávamos
muito próximos e eu sentia suas mãos me acariciarem lentamente. Ele se inclinou
e beijou a minha testa, com delicadeza. Mordi o lábio e respirei fundo.
-
Passo rápido, não precisa me acompanhar. Vê se descansa. – E daquela forma ele
desceu as escadas, com suas roupas bagunçadas e o cabelo emaranhado.
O
resto da tarde passou muito mal. Eu não tinha forças pra muita coisa e ficava
pensando no que tinha feito e em como eu tinha sido estúpida. Os efeitos
colaterais eu resolvi procurar na internet, o que tinha me apavorado mais
ainda. Passei a tarde toda no quarto e meus pais chegaram 20 minutos depois que
Josh havia saído. Meu pai bateu em minha porta e me perguntou que horas eu
havia voltado na noite anterior. Nem eu mesma sabia, então menti: disse que
cheguei as duas... Horário que eu tinha certeza que eles estariam dormindo. Ele
não questionou, nem brigou dizendo que sabia que eu não tinha chegado àquela
hora. E até era possível que eu tenha chegado nessa hora, ou antes disso. Bem,
se eles não viram Josh, o problema seria menor.
Saindo
do quarto apenas para comer, eu acompanhei pela janela o sol se por e a noite
chegar. Em um momento, quando estava com os fones de ouvido, resolvi reparar na
janela, que permaneceu aberta durante todo o dia. Josh estava lá, andando de um
lado para o outro e eu sorri fraco, mesmo sem sentir. Devo ter ficado algum
tempo encarando porque ele notou e parou, sorrindo pra mim. Corei ao ser pega.
Ia sair, mas ele fez um gesto para que eu esperasse. Fiquei curiosa e o fiz. Um
minuto depois ele voltou com um papel grande onde estava escrito: “Domingo = Eu
e você. Que tal?”. Eu gargalhei. Pedi que ele esperasse e fui atrás de um papel
e uma canetinha. Encontrei, escrevi e corri para que ele lê-se: “O que você
quis dizer com isso?” Ele sorriu e pegou um papel que estava atrás do que ele
segurava e escreveu, mostrando-me em seguida: “Passo aí as 11 AM. Prepare sua
bicicleta”. Eu li e já ia escrever-lhe na parede, de tão indignada que eu
estava os xingamentos não caberiam numa folha de papel. Quem disse que eu iria?
Mas ele não deixou que eu respondesse e já levantou logo outro papel: “Por
favor, eu prometo que vai ser bom”. Eu o li e respirei fundo. Eu queria
aceitar, apesar de tudo. Preferi não prolongar a conversa. Acenei com a cabeça,
aceitando o convite.
Eram
exatamente 11 AM. Eu estava no banheiro, escovando os dentes após ter tomado um
café da manhã fraco, não estava mesmo com fome. O dia havia amanhecido
ensolarado e eu não colocava muita fé no convite que Josh havia me feito na
noite passada. Achava que ele estava brincando, com certeza. Quando saí do
banheiro, ajeitando os cabelos, notei barulhos na minha janela. De longe,
percebi que pedrinhas batiam nela com uma força até grande demais. Quem era o
filho de uma boa mãe que estava querendo quebrar minha vidraça? Dirigi-me a
janela para xingar até o décimo antepassado do infeliz quando me deparei com um
garoto mais do que sorridente, olhando pra cima, com cara de criança feliz. Ri
alto quando percebi que ele não estava pra brincadeiras.
-
São 11 horas! – Ele disse.
-
Eu sei! – Gritei.
-
Te espero no portão... – Ele falou, já quase saindo. Interrompi.
-
Não, segura aí! – Eu peguei minhas coisas, coloquei no bolso e saí pelo pequeno
espaço que ficava bem embaixo da janela do meu quarto. Não era grande, mas era
bem forte, por isso eu chamava de terraço. Dele tinha uma grade de plantas, que
meu pai – na época em que resolvi começar a dar de rebelde – cortou pela
metade, para que ninguém pudesse subir por ela. Apoiando-me, desci por ali e
quando a grade acabou gritei para Josh – Agora! – E pulei. Por sorte a altura
não era grande e ele até que estava bem ligado. Segurou-me com os dois braços e
cambaleou um pouquinho, pela força. Sorri e desci logo de seu colo, antes que alguém
saísse e pudesse pensar muitas coisas.
-
Não vai avisar seus pais? – Ele perguntou, preocupado.
-
Não... Ando sendo boazinha demais. – Falei e ele riu. Minha bicicleta estava
bem ali, encostada na parede da lateral da casa, bem embaixo do meu quarto.
Peguei, subi, Josh fez o mesmo e saímos pela rua, pedalando como antigamente.
Era
bom sentir o vento nos cabelos depois de tanto tempo. Logo que Josh foi embora,
eu abandonei as bicicletas de toda a forma, porque me lembravam dele. Era algo
que eu deveria fazer com ele. Se não o fizesse era como se estivesse traindo-o,
mas era uma coisa que eu sempre amei e era difícil ficar sem pedalar. Na
tentativa de me tirar da maré de rebeldia que eu enfrenta, no segundo ano meu
pai me deu essa bicicleta que eu tenho agora, pois ele sabia que desde pequena
era uma coisa especial pra mim. Não o fiz devolver porque eu não era sem
coração dessa forma, e a bicicleta era linda, num lilás muito bonito, eu
deveria aceitar, mas não de qualquer jeito. Pra minha pose de durona, eu só
pegava nela quando estava muito atrasada para algum compromisso e por isso a
enchi de caveiras e pintei de preto.
Agora,
com Josh comigo novamente, eu me sentia nova. Sentia-me com 10 anos de novo,
brincando de corrida, e com hora pra chegar em casa. O clima era tão agradável
para um dia de outono que qualquer um pensaria que era o ápice do verão. Queria
pegar velocidade, mas não poderia. Nem sabia pra onde íamos e estava à frente.
Reduzi e fiquei ao lado de Josh.
-
Para onde vamos? – Perguntei, já querendo tomar a dianteira.
-
Siga-me! – Ele disse, acelerando e eu bufei. Ele sabia muito bem que eu odiava
ser deixada pra trás. Passando por algumas ruas tortuosas, pegando pequenas
vias de trânsito, eu descobri que conhecia o caminho que ele estava fazendo.
Pedalei mais depressa, tentando chegar mais perto dele e gritei:
-
Liberty State Park! – Ele me olhou rapidamente, sorrindo, e eu soube que tinha
acertado. Dessa vez, então, acelerei e tomei a frente do caminho, sabendo pra
onde estava indo. Chegando em frente ao local parei, esperando por ele que
parou segundos depois.
-
Você não muda, não é? – Ele perguntou e eu ri. – Vamos pedalando mais devagar,
apreciar a paisagem.
E
foi o que fizemos. Pedalando numa velocidade quase de idosos, fomos olhando
tudo aquilo que eu estava cansada de ver, mas que ele estava morrendo de
saudades. Em certo momento, paramos juntos e decidimos descer e caminhar com as
bicicletas ao nosso lado, indo em direção ao Rio Hudson. Ao chegarmos na beira,
paramos para admirar, nos apoiando nas grades. O ouvi suspirar.
-
O que te fez ficar assim, hein? – Ele não olhava pra mim ao perguntar e eu ri.
-
Dã? Você? A gente já não falou disso? – Eu brinquei, não sei porque estava
sendo tão tranquila com ele, brincando e sendo amável.
-
Não – Ele riu junto, ainda sem me olhar – Perguntei assim tão... Gótica. Porque
você poderia ter reagido de várias maneiras, mas porque resolveu mudar justo
pra... Evanescence? – Eu gargalhei com a comparação dele. Olhei para os barcos
no rio, passeando devagar. A balsa levando as pessoas para New York.
-
Ah, o look meio gótico é o mais escolhido entre adolescentes com problemas
psicológicos desenvolvidos. – Eu virei meu rosto pra ele e ele fez o mesmo,
sorrindo pra mim. Não aguentei olhar muito, voltei a encarar os barcos – Sem
contar que é meio um protesto a tudo o que eu odeio aqui... Não é de tudo
mentira.
-
Como assim? – Ele me perguntou e finalmente senti seu olhar em mim. Olhei para
ele, em resposta.
-
Sabe o quanto o colegial tá errado? Sabe o quanto essa separação entre
grupinhos é... Ridícula? – Eu tinha a voz com revolta mesmo. Ele sorriu de
canto.
-
Por favor, não vai começar com um discurso inspirado de filmes adolescentes...
– Ele estava brincando, eu sabia. Tentei rir, mas eu estava falando sério.
-
É que, magoa... E eu fui vítima disso. Não que eu tenha sofrido bullying ou
coisa do tipo – Eu ri com a ideia, realmente tudo parecia muito ideia de longas
adolescentes que vendem como água. – É só que... Eu tive um problema. Sério. E
não tive um amigo sincero pra me ajudar. Eu nunca tive, na verdade... Só... –
Eu completaria, mas não o fiz. Apenas o encarei e ele entendeu o que eu queria
dizer, abaixou a cabeça, desviando os olhos dos meus. – As pessoas não podiam
me ajudar, eu era a estranha. Eu sempre fui: Não era rica, não tinha as
melhores roupas e só tinha um amigo e ainda por cima um menino. E nem era por
não quererem “realmente”, era algo imposto a elas... E que elas aceitavam. –
Mexi nas grades e sorri com uma lembrança – Sabe, na quarta série? Quando
Brittany Williams apareceu com aqueles sapatos da propaganda do casal cantor da
novela pra crianças? Aquela novela ridícula que você ia assistir lá em casa? –
Eu ria alto com a lembrança. Ele me acompanhava.
- Lembro... Qual
era o nome mesmo? Algo que tinha a ver com doces... – Ele ia continuar
lembrando, mas eu precisava terminar meu raciocínio.
- Sim, mas essa não
é a questão. Lembra que todos queriam aqueles tênis e ela se tornou a garota
mais legal só por causa deles? – Eu o olhava, tentando ativar aquela memória
tão distante.
- Lembro, você
chorou pra sua mãe comprar aquele tênis um tempão e ela te deu uma lista de
foras imensa... Disso eu lembro – Ele ria que chegava a bater nas grades de
prazer. Encarei-o, séria. Como ele poderia ser tão infantil da mesma forma que
fora há anos atrás?
- Deixa de ser
idiota, Joshua! – Eu sorri de canto, quebrando o gelo – A questão é que, nada
mudou. Ainda é assim! Tudo! – Eu virei novamente para o rio, respirando fundo -
Quando eu entrei nessa fase dark percebi que realmente esse pessoal era um
bando de idiotas. A grande maioria dali. Não viveu, não sabe o que é a vida
real e não tem nenhuma preocupação com ela. Acham que o Ensino Médio vai durar
pra sempre... Tudo é o status na escola, tudo é a marca numa roupa. Tudo são
sapatos caros...
-
Tem uma música assim... – Ele se distraiu e tentando lembrar começou a batucar
um ritmo nas grades. Eu ri.
-
Eu costumo brincar que é bem a minha cara... – Ele me encarou, com os olhos
estreitos. Cantei então – All the other kids with them pumped up
kicks. You
better run, better run… Outrun my gun*
Ele
me encarava com um olhar assustado e eu caí na gargalhada, jogando o corpo pra
trás e me segurando na grade.
-
Meio forte não? – Ele me olhava com os olhos estreitos e sorrindo um pouco. Eu
não aguentei e lhe dei um tapa fraco na nuca.
-
Não se preocupe, eu não tenho uma arma...
Almoçamos
cachorro quente, por perto do Liberty State Park mesmo, e demos mais algumas
boas voltas pelo local, rindo e brincando como se fossemos duas crianças se
divertindo, coisa que eu não fazia há sete anos e como eu nunca pensei que
fosse fazer novamente. Naquela tarde inteira eu esqueci que tinha raiva,
esqueci que estava fingindo ser a menina rebelde que não se preocupa com o que
os outros dizem. Às 4 PM estávamos já próximos de casa e decidimos apostar
corrida. Como sempre, eu na frente, suspeitando de que ele estava me deixando
ganhar de propósito.
-
Vamos parar no parque! – Ele gritou e aqui foi como um deja-vu. Respirei fundo
e pedalei mais forte, chegando primeiro e sentindo-o parar como um ciclista
profissional ao meu lado.
-
A gente podia sentar num banco, não? – Ele perguntou e eu não respondi nada.
Meu coração estava acelerado inexplicavelmente, só conseguia seguir os passos
dele. E ele, propositalmente, parou lá. Naquele banco. Onde sete anos atrás ele
disse que iria embora e que eu faria falta... Sentamos, deixando nossas
bicicletas apoiadas nos arbustos. Ficamos num silêncio desconfortável enquanto
um passarinho passava cantando perto de nós.
-
Sabe que foi aqui que... – Eu tentei começar, mas ele me interrompeu.
-
Acha que esqueceria? Aqui que prometemos... – Ele não falou mais nada, olhou
para o chão por um momento e logo em seguida colocou as duas pernas pra cima do
banco, abraçando os joelhos. – Eu não vou cansar de me desculpar com você!
-
Não se preocupe, Josh. Palavras podem ser bonitas, mas certas coisas só vêm com
o tempo... – Eu não o encarava enquanto falava, olhava à rua a nossa frente.
-
Eu sei, e eu adorei o dia que tivemos hoje. – Ele falou, rindo. Levantou-se e
estendeu a mão para que eu me levantasse também. Ficamos de frente um para o
outro.
-
Foi bom sim... – Eu encarei o chão por alguns segundos, mas tomei coragem e
resolvi falar de uma vez o que não saía da minha cabeça. – Lembra também que
foi aqui que...
-
É – Ele me interrompeu, rindo, com as mãos nos bolsos. Eu ri de volta – Eu
lembro bem disso...
-
É que... Depois que eu cresci – Iniciei o discurso, disparando tudo como uma
metralhadora de palavras – e comecei a realmente pensar nessas coisas, eu
fiquei me perguntando se não foi um absurdo? Sabe, éramos duas crianças, você
estava prestes a se mudar, e o que teria sido da nossa vida de isso fosse anos
mais tarde? E se você não tivesse que ir embora? E se...
Beijo.
Josh encurtou a distância entre nós e me beijou, como da primeira vez, no mesmo
lugar, embaixo das mesmas árvores. Só que dessa vez não era tão inocente. Ele
me pegou pela cintura e uniu nossos lábios de forma urgente. No início tomei um
susto, mas o senti pressionar os dele nos meus e dei passagem sem dificuldade
para que sua língua encontrasse a minha. Nossos lábios se movendo devagar, um
com o outro. As mãos dele, firmes nas minhas costas, espalmadas e me prendendo
junto dele. Aos poucos ele parou o beijo, com selinhos e ao fim, puxou meu
lábio inferior com os dele, bem levemente. Eu não conseguia respirar, não tinha
palavras pro que havia acontecido.
-
O que aconteceu? – Eu respirava pesadamente, quase sussurrando.
-
Eu não podia ir embora sem fazer isso. – E ele sorriu, simples.
*Todas as outras crianças, com seus sapatos
caros. Melhor vocês correrem, melhor correrem, mais rápido que a minha arma.
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