-
Ann, você está aí? – Era a voz da minha mãe. Eu não sabia o que dizer, o pânico
começava a tomar conta do meu ser. Respirar era difícil e o chuveiro ligado era
o único som que eu ouvia. Josh estava de olhos arregalados na minha frente e
antes que eu falasse alguma coisa para ele, tapou minha boca, fazendo sinais de
não com a cabeça. Aos poucos fui me acalmando, mas minha mãe continuava a
gritar.
-
Annabeth! Responda-me! – Ela gritava.
-
Oi... Mamãe... – Eu disse depois que Josh destapou a minha boca. Movendo-me
rápido, sai de perto dele, desligando o chuveiro, e me enrolei na toalha. – Já
estou indo. – Fechei a porta do Box e corri para abrir rapidamente a porta do
banheiro, saindo num salto para que ninguém pudesse entrar. Minha mãe e meu pai
estavam parados na minha frente.
-
Onde você estava? – Minha mãe perguntava, num tom de voz alterado – E que
bagunça é essa na casa?
Lembrei-me
então do que tínhamos feito na sala e por um momento quis berrar e me contorcer
de frustração pela estupidez: tinha sido pega! Mas meu pai não aparentava
preocupação como a dela. Resolvi perguntar.
-
Vocês foram à sala? – Eu tateei, tentando parecer calma e não esboçar culpa. Foi meu pai que se pronunciou dessa vez.
-
Entramos pela garagem e passamos pelo corredor. Sua mãe viu que a sala estava
de cabeça pra baixo e o DVD ligado. Ela subiu correndo para te dar um sermão –
Ele dizia, sem animação – Eu só queria dormir um pouco, se é que me entende. A
gente podia te fazer arrumar mais tarde, já ficou desarrumado por tanto
tempo... – Eu não pude evitar de sorrir com a expressão do meu pai.
-
Quer dizer que não entraram na sala e nem em outros cômodos? – Eu questionei
mais uma vez, eu já não sabia mais o que dizer e estava morrendo de medo que
eles decidissem entrar no banheiro.
-
Não, Annabeth! Mas que fixação é essa por cômodos? O que você está escondendo?
– Minha mãe retrucou.
-
O quê? Nada! – Eu falei rapidamente – É só que realmente tá uma bagunça e se
você visse ia querer me matar, mas... – Eu saí andando e pegando roupas no meu
armário. Fui me vestindo enquanto falava. Peguei uma calcinha e uma blusa
comprida. – Eu vou arrumar agora mesmo! Viu, mãe? – Eu mantinha o sorriso no
rosto, tentando não transparecer o nervosismo. Minha mãe me encarava com olhar
desconfiado e meu pai bocejava.
-
Então eu posso dormir? – Meu pai perguntou, já se dirigindo pra fora do quarto.
-
Pode, papai! – Eu sorri e ele sorriu pra mim. Saiu do quarto e ouvi seus passos
até a próxima porta, a qual ele abriu e bateu logo em seguida. Mas a minha mãe
ainda estava lá, impassível.
-
Eu já to indo, mãe... – Eu fazia cara de poucos amigos, mas antes de sair
correndo para pegar toda aquela bagunça antes que minha mãe visse que haviam
roupas espalhadas pelo chão (e roupas masculinas!), eu passei a chave na porta
do banheiro.
-
Pra quê isso? – Ela me perguntou. Eu me virei, por um momento sem saber o que
fazer, mas eu não podia demorar muito a responder e falei a primeira coisa que
veio na minha cabeça.
-
A privada... Tá... Entupida. – Eu falava devagar, tentando organizar as ideias.
– E eu não sabia... Comi muito chocolate e aí... Uhhh... – Minha mãe me
examinava com os olhos estreitos enquanto eu fazia uma interpretação fajuta
parecendo ter dor de barriga – E o entupimento não ajudou muito em toda a
situação... – Eu sorri amarelo, tanto por fingir quanto por estar com vergonha
dessa mentira ridícula que eu tinha inventado – Por isso, eu prefiro trancar
enquanto não resolvo... Ok? – Eu finalizei calmamente. Por alguns segundos
minha mãe ainda ficou me olhando como quem não entende metade e desconfia de
tudo. Mas logo em seguida ela suspira e solta:
-
Contanto que você arrume aquela sala, eu já desisti de entender você!
Eu
sorri por ela ter acreditado e quando ela se vira para sair do quarto eu corro
na sua frente para que ela não desça as escadas e tenha o risco de entrar na
sala antes que eu possa retirar todas as provas do crime. Sei que ela grita
algo comigo quando quase a derrubo passando pela porta, mas não olho pra trás.
Desço as escadas como uma louca e sigo aos saltos para a sala, pegando
primeiramente as roupas de Josh e depois as minhas, tentando enrolar tudo
desajeitadamente nos lençóis que tinha deixado para a nossa tarde de filmes que
acabou sendo muito melhor do que eu esperava. Olhar aquela sala bagunçada e
cada detalhe dela daquele jeito me fazia lembrar cada minuto da noite passada e
cada toque que Josh havia me dado. Meu corpo já se arrepiava só com isso. Eu
estava tão perdida em pensamentos que não senti quando minha mãe chegou do meu
lado.
-
Mas um furacão passou por aqui, não é? – Ela disse, me acordando. E com um
susto eu soltei um grito. – Que foi, menina?
-
Nada, eu tava distraída e você chegou! – Eu falei, com hostilidade e, por
instinto, apertando mais os panos próximos ao meu corpo, protegendo-os dela.
-
Está devendo, Annabeth? – Ela disse calma, com uma expressão inquisitória. Por
um momento eu tremi na base, achando que ela já sabia de tudo.
-
Devendo o quê, mãe? – Eu tentei não transparecer todo o medo que tinha em minha
voz e eu costumava ser boa naquilo. Por um momento minha mãe ficou parada,
apenas me olhando, mas logo em seguida bufou, tranquilizando a expressão. Os
olhos dela baixaram para a pilha de panos que estava em minhas mãos e eu
percebi sua testa franzir em curiosidade. Ops! O que eu tinha feito para que
ela fizesse aquela expressão?
-
O que é isso, Annabeth? – As mãos dela se moviam para pegar a camiseta bege
aparente no meio dos lençóis. Antes de deixá-la puxar da pilha, porém, eu me
afastei, protegendo a camisa em mim, em vão. Ela já ameaçava tombar, pendendo
pelo meu braço e denunciando tudo. – É uma...
-
Regata, ué! – Eu interrompi, falando como se fosse a coisa mais natural do
mundo.
-
Masculina! Eu sei que não é sua... – Ela disse e eu respirei fundo, olhando
para o amontoado de roupas em meus braços. Por uma fração de segundo passou
pelo meu cérebro contar tudo e aguentar as consequências de meus atos. Afinal
eu era a rebelde, não? O problema em dizer a verdade era a possibilidade de
perder Josh. A possibilidade de que minha família me impedisse de vê-lo com a
frequência que necessitava, já que a escola não era exatamente uma opção – e
isso era um problema que minha cabeça ainda estava tentando resolver.
-
É do Josh... – Eu falei, mordendo o lábio enquanto meu cérebro trabalhava como
louco pela melhor desculpa – Ele veio aqui ontem, com o Connor... – Ela me
encarava com os lábios separados e com o rosto de quem tentava engolir a
desculpa. – A gente assistiu a uns filmes... Caiu refrigerante na blusa dele,
do Josh! O Connor foi buscar outra em casa, pra ele trocar... E ele acabou
esquecendo aqui, a que tava suja... Então, eu vou por pra lavar, ok? - Eu ia sair andando em direção a lavanderia
da casa quando minha mãe me puxou.
-
Podia devolver a ele logo, a casa dele é logo ali... – Ela me encarava como um
detetive profissional. Eu bufei para disfarçar.
-
Não, mãe! Eu devolvo amanhã na escola... Limpa! – Embolei mais as roupas em
minhas mãos para que mais nenhuma escorregasse – Não se preocupe ok? – Ela
apenas acenou com a cabeça, em confirmação – Agora não é melhor a senhora ir
dormir? Ter que aturar minha tia durante uma noite inteira não é nada legal...
Eu sei! Vai lá, vai... – E então eu coloquei o meu melhor sorriso no rosto e
segui direto para a área de serviço, sem olhar para trás, antes mesmo que minha
mãe pudesse vir com mais perguntas que me incriminassem.
Corri
recolhendo tudo e arrumando todo o cômodo antes que minha mãe fizesse as contas
de quantos copos tinham sido sujos, quantas colheres usadas... Se ela colocasse
a cabeça para funcionar descobriria facilmente minha mentira, aquelas minhas
desculpas estavam muito mal formuladas e lá no fundo eu tinha certeza que ela
já sabia de tudo, só queria evitar confusão. Era melhor pra mim, ou não...
Olhar para a cara da minha mãe nas condições daquela mentira fazia com que eu
me sentisse suja. Não que me importasse realmente, afinal, eu não me importo
com nada do que dizem e faço o que tenho vontade, não é verdade? Mas ainda que
fosse difícil encará-la depois daquilo, não seria preciso, pois minha mãe
jamais olhava pra mim com tal intensidade, a não ser que fosse para me julgar.
Sempre fora assim e descobrir sobre suas mentiras quanto aos Hutcherson fez com
as coisas piorassem.
Ajeitei
tudo na casa muito por alto, peguei as roupas de Josh e escondi sob as minhas,
e então subi as escadas correndo, pois em momento nenhum eu havia esquecido que
Josh me esperava dentro do banheiro, como veio ao mundo. Entrando no meu
quarto, tranquei a porta do corredor e abri a do banheiro. Ele estava sentado
no vaso sanitário, com as mãos apoiadas no queixo, o que me fez soltar um riso
um tanto alto. Ele me encarou, sem pressa alguma, os olhos baixos. Parecia
estar entediado.
-
Você ri, porque não é com você. – Foi tudo o que ele disse, o que me fez rir
mais alto ainda. Tapei a boca para que a risada não me denunciasse. Ele se
levantou de repente, com rapidez, me puxou pra junto dele e fechou a porta do
banheiro, pressionando-me contra o seu corpo. Eu não conseguia deixar de rir,
mas me desconcentrei quando senti seu nariz passear pelo meu pescoço e um
suspiro quente me arrepiar por completo.
-
Você precisa ir... Eu inventei várias desculpas pra que não descobrissem – Sem
querer me afastei dele e o encarei. Ele uniu as sobrancelhas, confuso. – Disse
que você e Connor passaram aqui e assistiram a uns filmes comigo...
-
Quer dizer que Connor também tem que colaborar na mentira? – Ele tinha um
sorriso de canto.
-
Eu não tive outra escolha, garanhão! Se você tivesse vindo sozinho, minha mãe
me mataria. – Eu sorri também, porém mais contida. Tirei o que restava das
roupas dele e dei em suas mãos. – Mas você vai ter que ir sem camisa... – Ele
abriria a boca pra perguntar alguma coisa, mas eu não deixei terminar – Eu te
explico depois, ok? Agora se veste logo e dá o fora daqui, antes que te peguem!
E
foi exatamente o que ele fez. Colocou a bermuda e os sapatos e eu o dirigi até
a minha janela, obviamente ele não poderia sair pela porta da frente. Antes,
porém, fui até o quarto dos meus pais, verificar se estavam mesmo lá dentro.
Ouvi meu pai roncar, ele parecia estar mesmo cansado e entre um ressonar e
outro percebi resmungos de minha mãe, provavelmente sobre mim. A barra estava
limpa. Voltei para o quarto correndo na ponta dos pés e fiz um sinal para que
Josh saísse. Ele me chamou com um dedo e eu suspirei com a demora, mas ainda
assim fui até ele.
-
Vamos nos falar pela internet? – Ele perguntou.
-
É óbvio! – Eu disse, e sorri ao completar. Ele sorriu comigo.
-
Quero que vá ao colégio comigo amanhã! – Ele parecia querer continuar, mas eu
não deixei.
-
Claro, claro... Agora vá!
-
Nos falamos depois, amanhã vamos juntos a escola! – Ele disse e eu só conseguia
enxotá-lo para fora do meu quarto. Ele ainda ria, levando tudo na brincadeira.
Passou pelo pequeno telhado e desceu pela grade de plantas. Olhei para os
lados, me perguntando se algum vizinho estava observando, mas não havia ninguém
aparentemente. Quando ele chegou ao chão, levantou os olhos e me mandou um
beijo. Corei involuntariamente e mandei outro de volta. E com um sorriso
tímido, ele virou as costas nuas e se dirigiu até sua casa.
Acordar
nunca foi tão bom. Há muito tempo eu não dormia tão tranquilamente quanto eu
dormi naquela noite. Eu e Josh passamos o dia inteiro conversando pela
internet, falando de coisas banais, falando das nossas vidas... Colocando em
dia o tempo que perdemos como amigos e o meu dia havia sido incrível. Vez em
quando ele passava pela janela, ao mesmo tempo que eu, e fazia caretas, para
que eu risse e me distraísse. Éramos duas crianças de novo, aproveitando o
tempo juntos como dois bobões.
Dormi
nas nuvens e não lembro se tive sonhos, mas se eles existiram com certeza foram
sobre Josh e sobre como ele me fazia sentir tão bem, como há anos eu não me
sentia. Era como ter oito anos de novo e não ter preocupações com a vida, ou
com o futuro. Com ele eu só precisava ser eu, e eu de verdade... Não aquela que
montei.
Levantei-me
com gosto e me arrumei da melhor forma que pude. Lembrando-me que ainda não
havia resolvido meus assuntos com os meus (pseudo) amigos metade vampiros,
coloquei uma roupa preta para não quebrar o clima e não ser o centro das
atenções por uma mudança tão drástica tão de repente. Coloquei minhas
costumeiras roupas pretas, mas a calça jeans escura junto à blusa da também
escura e o tênis velho, não condiziam com o meu espírito naquele dia. Pra
quebrar aos poucos, coloquei uma blusa azul “jeans” por cima, tentando dar um
pouco de cor àquele look. Completei com alguns colares e um óculos e lembrei
que Josh estaria me esperando na porta de sua casa para que fôssemos juntos ao
colégio naquele dia. Eu não entendia porque era tão importante pra ele, mas eu
não discutiria – não quando estávamos num clima tão amigável.
Desci
as escadas com pressa, pois já estava alguns minutos atrasada. Fui até a
cozinha e peguei alguns waffles que minha mãe estava fazendo e que tinha
deixado sobre a mesa. Não dei tchau, não falei nada, apenas acenei antes que
ela pudesse começar algum discurso sobre o quanto o café da manhã é importante
para que eu desperdice comendo correndo. Quando saí pela porta da frente, fui
ajeitando a mochila no meu ombro e finalmente encarei o jardim verde da frente
da casa dos Hutcherson e dei de cara com uma cena que me deixou de queixo caído.
Eu sabia quem era a pessoa, é óbvio, nunca confundiria o rosto do meu melhor
amigo, Josh – que com o passar dos anos não mudou em nada a não ser pela
extrema definição que seu maxilar havia adquirido, deixando-o com o rosto de um
homem. O que me surpreendeu foi a belíssima – e enorme – moto na qual ele
estava encostado, posando como um astro de Hollywood. Meus pés foram se movendo
mais devagar conforme eu me aproximava, eu ainda custava a acreditar. Aquele
transporte reluzia sobre a luz fraca do sol da manhã, parecia ter saído direto
da loja, parecia nova em folha. Ele me viu e tirou os óculos escuros, abrindo
os braços para me receber.
-
Oh, não... A Morticia voltou! – Ele disse, ignorando o fato de eu ainda estar
hipnotizada pelo ser de duas rodas atrás dele.
-
Você não me disse que tinha...
-
Uma moto? – Ele me interrompeu.
-
Um monstro a motor! – Ele sorriu com a minha expressão.
-
Eu trouxe de L.A – Ele se virou para a moto e passou a mão pelos assentos –
Comprei há alguns meses... – Ele mordeu o lábio e voltou a olhar pra mim.
-
É linda – Eu falei, encarando-o pela primeira vez.
-
Obrigado! – Ele respondeu – Então, vamos? – Arregalei os olhos.
-
Vamos de moto pra escola? – Eu perguntei. Que estúpida pergunta, ele entendeu
da mesma forma.
-
Não, eu a coloquei aqui na calçada pra tomar um ar, mesmo... – E em seguida deu
uma gargalhada gostosa, fazendo seu “pomo-de-adão” se mover. Eu abaixei a
cabeça, com vergonha da minha estupidez – Vem, sobe! – Ele completou, já
passando uma das pernas para o outro lado da moto e colocando o capacete. Eu
hesitei por um momento, nem eu entendia por que. Ele pegou o capacete
sobressalente, do outro lado da moto e me deu. – Desistiu de ir pra escola?
-
Não, desculpe! – Eu voltei ao mundo, sorrindo. Peguei o capacete de suas mãos e
coloquei na minha cabeça, enquanto me sentava na traseira. Segurei
desconfortavelmente no apoio de mãos do carona e vi Josh virar a cabeça para
trás para sussurrar.
-
Se quiser passar suas mãos pelo meu abdômen sedutor, eu não me importo! – Não
pude controlar o riso, mordi o lábio e foi exatamente o que fiz. Prendi as mãos
no seu corpo, segurando um pouco na sua camisa e também, para ficar firme. Eu
sabia que, apesar de nada agradável, o apoio de mãos era a opção mais segura em
caso de algum acidente, ou para evitar um. Mas eu não perderia a chance de
sentir meu corpo tão próximo do dele. Nunca mais.
Ele
deu a partida e eu comecei a sentir o vento nos cabelos que não estavam presos
no capacete. Não demorou muito para que chegássemos no prédio da escola e ele
estacionou. E tudo o que eu mais temia aconteceu, e eu me esforçava para não
notar. Ao descermos da moto, todos os olhos daquele pátio nos encaravam como se
fôssemos aberrações de circo. Depois que Josh pegou sua mochila, seguimos
andando, lado a lado – nada de mãos dadas, nem braços dados, nem se quer nos
tocamos, apenas andando – até a porta da sala de biologia. Já que era nossa
primeira aula de segunda, e a tínhamos juntos.
Os
alunos desta classe pareciam ter feito um pacto de ignorar nós dois, talvez por
terem se cansado de especular tanto. Ninguém nos encarou, embora eu percebesse
que volta e meia soltavam cochichos e alguns olhares escondidos em nossa
direção. Não sabia por que justo naquele dia eu estava me importando tanto com
aquilo. Já haviam passado algumas semanas e estávamos bem há algum tempo.
Talvez fosse a certeza na minha cabeça de que estávamos mais do que bem, de que
depois do nosso final de semana, éramos com certeza mais que amigos. O medo de
ser descoberta por algo que eu não queria assumir (não queria?) transparecia no
meu rosto, eu tinha até medo de que minhas mãos suassem. No fim da aula, nos
despedimos e Josh sussurrou ao meu ouvido:
-
Voltamos juntos. Assiste meu treino?
Eu
não respondi em voz alta, apenas balancei a cabeça em concordância e ele saiu
correndo em direção a próxima sala, nos poucos minutos de intervalo entre uma
aula e outra. Eu permaneci imóvel, ainda pensando em tudo aquilo que estávamos
começando a viver e aquele foi um erro enorme. Senti uma mão nas minhas costas
e um barulho de isqueiro sendo ascendido.
-
Feliz com sua infância, Ann? – Me virei devagar, mas já sabia quem era. Lola
tinha o mesmo ar de sempre, como quem não liga pra nada – o ar dos rebeldes. Eu
me forcei para fazer a cara de poucos amigos que sempre soube dar, mas havia
dificuldade. Eu não era a mesma.
-
O que houve, Lola? – Eu perguntei.
-
Ainda to tentando entender o que você tem com esse mauricinho! – O tom de voz
dela foi mais forte, mais arrogante. Eu respirei fundo por dois motivos: para
parecer durona e sem paciência e por não engolir que ela chamasse Josh de
mauricinho. O segundo ela jamais iria saber.
-
Não tem nada entre nós dois. Quer dizer... – Eu engoli em seco, joguei o cabelo
para o lado esquerdo – A gente tá se dando bem, só isso... Ele pediu desculpas
pelas burradas que fez e ele é até legal...
-
Ele é um riquinho! Filhinho de papai! É isso o quê ele é! – Ela ainda tinha a
voz alterada, eu já não me controlaria. Tentei manter a pose.
-
Não fala besteira, Lola. Ele é até legal, é meu vizinho... – Eu continuaria,
mas ela me parou, colocando uma mão no meu ombro.
-
Até legal? Eu não to entendendo você, Ann! – Ela tirou a mão do meu ombro,
mordeu os lábios, frustrada. – Todo mundo aqui é igual, lembra? – Eu lembrava.
Lembrava-me do que pregava, do que acreditava. Eu estava mais do que confusa. –
Na verdade, eu acho que você também... – Ela começava a caminhar para longe de
mim. O quê? Ela achava que eu tinha sido corrompida pelo veneno daqueles imaturos?
E por causa de Josh? Eram coisas que eu não poderia aceitar. Duvidar dos meus
ideais e duvidar... Dele. Eu dei alguns passos em sua direção, para impedir que
ela fosse embora.
-
Espera, Lola! Cara... – Eu parei por um momento, encarando seu rosto. Ela
esperava o que eu iria dizer. – Eu sou a mesma! Eu to com vocês. O Josh não vai
estragar os nossos planos de mandar essa escola se foder, tudo bem? – Eu falei.
Devo ter sido convincente, porque ela baixou os olhos e suspirou. Em seguida
voltou a me olhar, já com uma expressão mais divertida. Estremeci.
-
É a mesma, não é? Então veremos – O seu sorriso era diabólico enquanto ela
sibilava aquelas palavras que fizerem um calafrio me correr pela espinha.
Sempre que eles diziam nunca saía coisa boa – Sábado à noite: Racha dos Oito.
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