O dia não era tão estranho pra ser razão de
mau humor. Era meu último dia de férias, e qualquer criança ou adolescente
normal estaria prestes a um ataque de choro só de pensar que a partir dali,
teria que voltar a acordar cedo e ser testado dia após dia dentro de um sistema
falho e imposto para dominação. Nem todos, também. Eu posso dizer que qualquer
criança ou adolescente normal, também teria uma pontinha de felicidade ao
lembrar que também seria tempo de rever todos os antigos amigos, de fazer novas
amizades e de se aventurar em mais um ano que seria glorioso. Pela perspectiva
da minha dissertação, podem ver que eu não pertenço a esse grupo seleto.
Annabeth Carlson, no alto de seus 17 anos de idade, não se encaixa no grupo de
pessoas felizes, que são populares e veem o Ensino Médio como o império de seus
sonhos. No fim das contas, nem eu mesma sabia quem eu era, realmente. A única
coisa que eu sabia era que já fazia um bom tempo que estava sentada na varanda
de casa, com um cigarro sempre a mão e já se havia ido meia garrafa de vodca
que comprei com minhas economias.
Não
sou uma menina de muitos amigos, nota-se pela minha total solidão, sentada no
assoalho velho. Mas eu até diria que a situação em que me encontro hoje, é de
fato um exagero, um acontecimento isolado. Se fosse um mal estar comum eu já
teria me encontrado com Gordo, Bafo, Stinky ou Lola, meus atuais companheiros –
pois não ouso chamar tais criaturas de amigos – pra beber em algum lugar, jogar
as cinzas do cigarro em algum balcão e vê-los abusar de drogas ilícitas, mas
esse não era o caso. Desde que acordei a sensação de que algo estava me
sufocando ficava presa em mim, sem razão aparente. Parecia que algo estava pra
acontecer, algo nada bom, que, devagar, consumiria toda minha energia vital, e
que pessoa não ficaria angustiada com essa situação.
Eu
vinha andando de um lado pro outro, lendo um livro, comendo, ouvindo música,
mas nada tirava essa sensação de mim, e quando meus pais chegaram em casa,
sabendo que ninguém mais estava para passar pela varanda novamente, eu resolvi
sair. Era por volta das 8 PM e eu tinha começado devagar, mas como aquilo não
saía de mim, resolvi pegar pesado. E agora já eram quase 11 PM.
Nenhum
pio na vizinhança, as árvores se moviam devagar, o vento parecia sussurrar
coisas, contribuindo pra atmosfera macabra. Levei o cigarro a boca e dei uma
tragada profunda, tentando espantar o frio que vinha com a proximidade da
madrugada. O telefone de casa tocou, e eu nem ousei olhar pra trás. Mamãe
estava na sala, assistindo a sua novela de sempre, ninguém ligaria pra minha
casa numa hora daquelas. Ou em hora alguma. Ninguém ligava pra minha casa
procurando por mim desde... Peguei a garrafa de vodca com força e virei um gole
tão grande que senti minha cabeça girar e minha garganta queimar como brasa.
Respirei fundo, e coloquei a cabeça entre as pernas. Faltava menos de um quarto
da bebida. Cocei os olhos, tentando afastar o pensamento absurdo e a comum dor
no peito que me surgia sempre que meu cérebro tentava voltar nesse assunto. Era
passado, Ann. Não existe mais, nem nunca mais vai existir. Traguei mais um
pouco. Já tinha ido quase um maço. Eu nunca gostei de fumar. Deixava-me fedida
e não tinha um gosto tão bom, por isso preferia os mentolados. Eu só queria
fazer charme. Mostrar que eu não precisava de ninguém, nem nunca precisaria.
Bebi mais um gole grande da bebida e soltei um arroto. Um gato preto passou
pelo canteiro da senhora Petterson, do outro lado da rua, e pareceu me olhar,
acenar e seguir seu caminho. Sacudi a cabeça com força, devia já estar bêbada
demais pra ver animais se comunicando comigo, mas isso não me abalou. Tomei
mais um gole, e faltava tão pouco pra terminar. Mais um trago. Joguei o cigarro
no chão, levantando e limpando minha calça jeans, enquanto soltava a fumaça.
Peguei a garrafa e virei o que faltava, indo até o outro lado da rua. Sim, na
casa da senhora Petterson, e deixando no lixo dela. Voltei rindo e mexendo nos
cabelos, será que nunca achara estranho sempre encontrar garrafas de bebidas
alcoólicas no meio da sua calçada? Sentia meus pés cambalearem enquanto fazia o
caminho de volta e dei uma risada mais alta, achando graça de como meus pés
estavam tortos, parecendo não saber fazer um caminho tão comum. Parei na porta
da casa e respirei fundo, buscando passar pela minha mãe sem demonstrar sinal
da minha embriaguez – eu sempre fui boa nisso. Andando devagar eu fiz o caminho
até a sala, para subir para o meu quarto, quando fui parada pela voz da minha
mãe, que nem sequer tirou os olhos da televisão.
-
Annabeth. – Ela disse, impassível. Eu parei de olhos fechados, achando que
viria sermão. Mordi o lábio e segurei meu cabelo, virando-me pra ela, esperando
por tudo.
-
Sim... Mamãe. – Respondi, devagar. Não sabia como estava a minha voz, qualquer
coisa poderia denunciar.
-
Recebi um telefone essa tarde, e tenho novidades pra você. – Ela finalmente me
olhou e temi que me ver a fizesse perceber que estava alterada, mas seu olhar
não esboçou nada, eu devia estar normal.
-
E o que é? – Não estava com paciência pra papinhos, mas não poderia ser grossa.
Geraria uma discussão e no estado em que me encontrava, não ia sair coisa boa. Apoiei-me
no corrimão da escada.
-
Alguém vai voltar a morar aqui. Amanhã mesmo, eles estão chegando. Voltarão pra
antiga casa. – Eu devia estar fazendo cara de quem não entendia uma só palavra,
e não estava entendendo mesmo. Devia ser o álcool. Ela riu e continuou – Os
Hutcherson, querida. O Josh vai voltar! – Seus olhos brilhavam como se ela
tivesse descoberto o fogo no início da humanidade. Minha cabeça girou mais
forte, meu estômago parecia embrulhar. Segurei com mais força no corrimão, com
certeza iria cair. Não esbocei reação nenhuma.
-
Poxa, vejamos então... Que notícia... Surpreendente. – Eu disse, pausadamente,
escolhendo as palavras e sem saber o que nenhuma significava ao certo. As
palavras que saíram da minha mãe eram as únicas que ecoavam na minha cabeça. –
Agora, eu... Preciso subir. – Eu disse, sorrindo fraco, e sem poupar passos até
o fim da escada. Chegando ao meu quarto, abri a porta com força, não vi nada
que tinha no caminho. Segui para o meu banheiro particular, empurrando a porta
e enfiando a cabeça dentro do vaso sanitário. Era tudo o que eu tinha bebido.
Era tudo saindo de mim. De novo.
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