Depois daquela aula eu o evitei o máximo
possível. Fiquei um tempo grande conversando com Lola durante o intervalo, pra
ver se eu conseguia tirar aqueles pensamentos da cabeça e toda raiva do meu
corpo, mas não foi tão fácil assim. Por isso mesmo, fingi enjoos e fui à
enfermaria, esperando que me deixassem ir pra casa mais cedo. Ao chegar,
senhora Hipckens, a enfermeira idosa, baixinha e gordinha que tinha sempre um
sorriso amável no rosto, verificou minha temperatura e minha pressão e, como
era de se esperar, eu não estava mesmo bem. Ela me fez a liberação e eu fui até
a coordenação, para sair. No caminho, no intervalo entre uma aula e outra pude
ver Josh me encarar do outro lado do corredor e pensei que ele viesse falar
comigo. Já estava prepara para correr quando vi que o pessoal mais legal da
escola, os mais populares, se aproximavam e puxavam assunto com ele, e, como
sempre, ele estava sendo o mais cordial possível. Aproveitei a deixa e entrei
correndo na sala de ar condicionado a minha direita, indo direto ao balcão para
entregar o papel à moça de óculos. Ela leu com atenção e me liberou alguns
momentos depois. De cabeça baixa, pressionando as têmporas, eu segui até minha
casa onde sabia que meus pais não estariam.
Entrei
e fui direto para o meu quarto, onde me joguei na cama, deixando a mochila no
chão, e fiquei olhando para o teto. Com a súbita parada, depois de ter vindo a
passos largos desde a escola, meu peito arfava com força, tentando buscar ar.
Minha cabeça ainda estava meio tonta com tudo o que estava acontecendo. Eu não
sabia o que fazer. Parecia que sete anos de mágoa reprimida estavam querendo
sair em um dia – e saíram, por um minuto. Era muita coisa e não seria fácil.
Porque ele decidira voltar justo agora? Eu estava bem sem ele, tudo era tão
mais simples quando eu era simplesmente a Ann, revoltada com a vida, que
resolvera usar preto e maquiagem pesada enquanto fumava em algum pub esquisito
com seus amigos esquisitos. Eu era mais feliz assim. Era fria, não precisava de
ajuda, me virava sozinha, de uma forma que eu nunca havia conseguido antes. Por
um momento me veio uma súbita vontade de colocar tudo para fora novamente, como
havia acontecido na noite anterior, mas lembrei, então, de que não havia comido
nada naquele dia. Tinha saído sem tomar café e meu estômago agora roncava como
uma britadeira. Segurei a barriga e decidi que precisava de um lanche. Talvez
me distraísse e com certeza melhoraria o mal estar, mas não estava pronta para
sair da cama. Era algo que me reconfortava e eu queria ficar deitada ali pelo
resto da minha vida. Eu sabia bem o que era aquela vontade. Fechei os olhos e
fiquei sentindo a batida do meu coração por um longo tempo, que não faço ideia
de quanto foi, até que me levantei de um salto com um ronco mais alto do meu estômago.
Dei um sorriso e percebi que já não era hora de adiar. Fui até a cozinha
correndo, abri a geladeira e tirei de um tudo que tinha dentro. Peguei o pão de
forma no armário ao lado e joguei tudo em cima da bancada, começando um
experimento de misturas absurdamente louco. No fim, meu sanduíche tinha o que
me parecia quase dez metros de altura e recheado de coisas estranhas. Não me
importava: pior do que ela estava não poderia ficar.
Com
meu monstro de vinte quilos no meu prato e um copo enorme de suco na outra mão,
eu subi até meu quarto, para ligar a minha pequena televisão e ver se conseguia
me distrair. Ao chegar, deixei o lanche no criado mudo e reparei na grande
janela ao meu lado, que tinha vista justamente para uma casa que eu conhecia
muito bem. A casa que, depois da minha, era onde eu passava mais tempo na minha
infância. Sete anos atrás. A casa dos Hutcherson era no mesmo estilo da nossa
por fora, mas por dentro sempre pareceu muito mais cara, até porque eles sempre
tiveram mais dinheiro. Não foi a toa que eles se mudaram para Los Angeles, já
que o pai dele era um produtor musical e tinha um pequeno estúdio por aqui, que
foi comprado por uma empresa maior pela qual ele foi contratado... Porém, como
qualquer coisa relativa ao show business, a maior procura só poderia estar na
Califórnia, e lá se foram os Hutcherson, viver na ensolarada LA. E eu fiquei
aqui. Sozinha. Sem meu melhor amigo. A janela que dava pra minha tinha as
cortinas fechadas e eu fiquei pensando se aquele cômodo seria usado com a mesma
finalidade que tinha há sete anos. Respirei fundo com a ideia e fui distraída
pela movimentação na entrada ao longe, com a Michelle saindo pela porta
principal com um monte de caixas e deixando na entrada da casa. Encolhi-me e
corri pra sentar na cama. Era como se a presença dela fizesse tudo ainda mais
real. Eles deviam estar desempacotando e arrumando as coisas enquanto Josh
estava na escola. Mordi meu lábio e dei mais uma olhada pela janela, mas ela já
não estava mais lá. Coloquei meus pés pra cima do colchão e abracei os joelhos,
respirando cada vez mais fundo. Quando consegui me acalmar, peguei o controle e
deixei em um canal qualquer, enquanto tirava a primeira mordida do meu monstro
para a fome. Eu não prestaria atenção em nenhuma palavra da TV, mesmo.
Eu já tinha feito
de tudo e aquela imagem da aula de Biologia não saía da minha cabeça. Os olhos
baixos dele, o pesar na sua voz, mas eu não poderia deixá-lo falar. Ele viria
com uma desculpa esfarrapada, foi ele que me abandonou, ele é o único culpado
de tudo. De tudo o que minha vida é hoje.
Já eram 7 PM e eu
ainda não havia saído do quarto, toda aquela tarde. Minha mãe já estava em casa
há algum tempo e já tinha vindo cinquenta vezes ao meu quarto perguntar se eu
estava bem ou se queria alguma coisa. Depois daquele sanduíche, não consegui
comer mais nada. Também não quis jantar. Por incrível que pareça, ela não me
perguntou de como tinha sido o primeiro dia de aula, ou se eu tinha encontrado
Josh, e agradeci mentalmente por isso. Mas eu já não aguentava mais ficar
dentro de casa, eu precisava fumar um cigarro, beber mais um pouco e tirá-lo da
cabeça. E como era das outras vezes, tinha que ser sozinha. Eu não chamaria
Lola, que não me entenderia, muito menos Stinky, que não me deixaria pensar momento
algum. Coloquei uma calça jeans, uma blusa leve, um casaco com capuz e uma bota
preta, e resolvi sair por aí, andar sem rumo e procurar algum lugar pra encher
a cara. Desci as escadas com pressa, minha mãe estava na sala, rodeada por
papeis do trabalho.
- Mamãe, eu vou
sair. Vou dar uma volta, não me sinto bem, vou tentar respirar um pouco. – Ela
se virou pra mim, como quem falaria algo, mas eu não deixei – Tento voltar
cedo. – E bati a porta de casa, sentindo o vento fresco de início de outono
bater no meu rosto. Coloquei as mãos pra dentro do bolso e abaixei o capuz.
Segui andando como uma foragida pelas ruas, sem saber bem pra onde iria. De uma
coisa eu estava certa: iria até a rua de bares e entraria em alguns dos últimos
– onde eles nunca pediam identidade pra carinha certa. Pediria um drink
qualquer e tomaria algumas doses.
Já estava por lá e
a movimentação não era muita. Obviamente, por que era segunda-feira. Batia meus
pés em algumas pedras da calçada, chutando-as pra longe e já andava num ritmo
menos acelerado, quase correr estava me cansando. Quando virei a primeira
esquina, em direção aos bares menos vigiados, enquanto olhava pro chão, bati em
algo macio que quase me fez voltar com as nádegas na calçada. Um grito
escaparia da minha garganta, se não tivessem me segurado com tanta firmeza, e
me prendido contra algo que só poderia ser um corpo. Ao olhar fixamente para o
rosto, porém, percebi ser o corpo que eu não queria ver.
- O que tá fazendo
aqui? – Josh perguntou, enquanto eu me debatia arredia em seus braços. Ele me
soltou devagar e eu ajeitei minha roupa.
- Eu que te
pergunto: o que tá fazendo aqui? – Eu cruzei os braços, indignada. Será que nem
mesmo na minha noite de paz eu não conseguiria me livrar desse garoto?
- Por favor,
Ann...abeth. – Ele corrigiu rapidamente, diante da minha cara de reprovação. –
Ia entrar nessa rua? Não é um lugar pra ser frequentado por garotas.
- Isso explica
ainda menos o que você estava fazendo lá – Eu dei um sorriso sarcástico
enquanto batia os sapatos na calçada. Ele riu tímido e abaixou a cabeça, coisa
que ele sempre fez desde criança. Nunca mudara.
- Eu me perdi, só
isso... Ainda que pareça o mesmo, Jersey tá bem diferente. Não acha? – Ele
colocou as mãos no bolso enquanto dizia a frase e agora me encarava esperando
resposta.
- O tempo passa e
muita coisa muda, Hutcherson. – Falei, tentando continuar meu caminho, me
desviando dele para seguir pela rua em frente, mas ele me segurou pela cintura.
- Opa, opa, opa...
Você não vai pra lá! – Ele disse, simples, como se fosse algo tão natural pra
ele quanto respirar.
- Quem você é
agora, minha mãe? – Eu perguntei, sem acreditar que ele estava tentando mandar
em mim.
- Já disse que não
é lugar pra você. É perigoso. – Ele tinha um tom de preocupado em sua voz, mas
eu o interrompi.
- Acha que não sei
me defender? Acha que eu preciso mesmo de você pra isso? – Eu ri, olhando pra
cima e logo em seguida voltando meu olhar para o dele. Acho que ele já havia
entendido – porque não pensou nisso há sete anos? Se eu estou viva até agora é
porque eu sei me virar muito bem sem você...
Continuei
a andar na brecha em que seus braços se afrouxaram do meu corpo, mas ele me
segurou pela mão. Eu estava prestes a bufar.
-
Por favor, Ann. Só hoje. Você poderia ficar comigo, pra conversarmos? – Ele me
encara com os olhos brilhando sob a luz do luar. Era tentador, na verdade. Me
fez lembrar do quanto eu gostava dele e do quanto ele era necessário. Sua pele
clara reluzia e ele estava sério. A linha fina dos lábios contraída. Tenso. Eu
fiquei em silêncio, olhando nós dois, sentindo suas mãos nas minhas.
-
Um jantar. Por favor, eu só quero que jante comigo hoje. – Ele disse, e me fez
rir. Finalmente, um sorriso sincero. Ele sorriu também, sem entender.
-
Você convida as meninas pra jantar? Los Angeles deve ter sido um céu pra você,
mauricinho de mamãe. Vai pra Berkeley, provavelmente não é? Ou não, quer ficar
perto de papai e mamãe. Columbia tem um ótimo curso de direito, sabia. – Eu
coloquei minha mão livre na cintura, enquanto zombava dele. Ele mordeu o lábio,
e relaxou o corpo.
-
Você entendeu, não se faça de espertinha, Ann. – Ele me puxou pra mais perto. –
Por favor. Ou você acha que é a única que pode falar o que quiser? – Nossos
olhos estavam bem próximos, pouco mais de um palmo nos separava e eu podia
sentir sua respiração no clima frio a nossa volta. Dei um tempo para a minha
respiração se acertar enquanto eu pensava em qual era a melhor resposta. Eu
precisava daquele tempo sozinha, mas talvez ele tivesse algo a me contar. Parte
de mim queria muito que ele me fizesse esquecer que foi um total idiota durante
tanto tempo. E essa parte estava me ganhando.
-
Tudo bem – Concordei, me soltando dele e me afastando um pouco - Mas você paga.
– Ele sorriu, e saímos daquele beco, seguindo em direção a uma lanchonete
próxima.
Estávamos
os dois, sentados na Miracle Bites, a nossa lanchonete favorita de quando
éramos crianças. Era golpe baixo ele ter me levado justo pra lá, ele com
certeza queria tentar me amolecer, mas não conseguiria. Eu seria durona, como
sempre soube fazer. Eu estava recostada na cadeira e o garçom veio com rapidez
anotar nossos pedidos, eu estava prestes a dizer quando ele me interrompeu.
-
Pra mim um triplo, com muito bacon e capricha no queijo, mais uma lata de refrigerante
e pra mocinha... – Eu levantei uma das sobrancelhas, sem acreditar que ele
pediria por mim – Um duplo cheddar, sem maionese e refrigerante no copo
especial.
O
garçom anotou, agradeceu e disse que ficaria pronto em minutos, deixando-nos a
sós.
-
Não acredito que você ainda se lembra – Eu perguntei, realmente encantada.
Depois desse tempo todo ele lembrava qual era meu hambuguer favorito e como eu
gostava da minha bebida. Existiriam mais coisas que ele não teria esquecido?
-
É claro que lembro, eu nunca esqueceria – Ele respirou fundo, apoiando os
cotovelos na mesa. – Você pode ter mudado o estilo, mas eu acho que não mudou
quem você é por dentro.
-
Não se engane, eu ando muito diferente. – Eu tentei parecer convencida, mas não
dava certo. Ele parecia trazer a tona coisas que eu levei anos pra enterrar.
-
Ann, eu preciso te explicar algumas coisas – Sua expressão ficou mais séria, e
eu também parei de sorrir. Esperava o que ele iria dizer, apenas encarando. –
Eu sei que você pode achar que eu te abandonei, mas não é verdade... Não mesmo.
Eu queria te contar o que aconteceu.
-
Pois, eu sou toda ouvidos – Eu respirei fundo e cruzei os braços, tentando me
concentrar e ouvir a desculpa esfarrapada que viria. Os olhos dele se abaixaram
por um momento e depois voltaram a encontrar os meus quando ele começou a
falar:
-
Depois que fomos embora e prometemos nos comunicar, bem... Você se lembra
daquele primeiro ano, não? – Fiz que sim com a cabeça – Pois bem, ele foi até
tranquilo. Eu te mandava cartas sempre e você fazia o mesmo, quando dava eu
ligava e a gente conversava tanto. Lembra? – Eu sorri com a lembrança – Era
bom. Mas com o passar do tempo, minha mãe começou a evitar. Cortava os horários
para os telefonemas e ao mesmo tempo, parecia que suas cartas demoravam pra
chegar. Lembra-se que depois das férias de dezembro, ficamos mais afastados,
não? – Eu respirei fundo, nem concordando, nem discordando. Estava
desconfortável. – Bem, nas férias de verão eu sabia que pediria para os meus
pais para ir te ver, só que antes mesmo de eu lembrá-los disso, eles me deram
uma passagem. Iríamos para o Havaí e eu fiquei deslumbrado, eu era uma criança.
-
E por isso, você não veio? – Eu respirava com dificuldade.
-
Isso... Mas logo que voltei eu tinha tantas coisas pra te contar. Te mandei uma
carta enorme, e te mandei presentes. Mas... – Ele respirou fundo antes de
continuar – Você não respondeu.
-
Presentes? Do que você tá falando? – Ele pareceu não ter me ouvido e continuou
a sua história.
-
E eu já estava desapontado, mas as coisas começaram a melhorar na escola. Eu
tava no sétimo ano e entrei pro time de basquete júnior. Comecei a viajar nas
férias para jogos intermunicipais e logo interestaduais e foi uma fase ótima...
– Ele segurava os dedos, nervoso – Eu fiquei sem tempo e... Nas escassas vezes
eu tentava me corresponder eu não tinha resposta. Decidi parar... – Ele me
encarou, sorrindo fraco – Agora entendi por que... Eu não sei o que disse, não
sei o que fiz, se foi a viagem, me desculpa... Eu... Eu sentia sua falta, todos
os dias.
Eu
não conseguia responder, eu tinha me ausentado da conversa há algum tempo
porque algumas coisas começaram a se ligar na minha cabeça, mas eu não tinha
certeza. Ele podia estar inventando aquilo tudo, só pra me fazer cair nas
armadilhas dele. Eu mudei, ele pode muito bem ter mudado. Ele era popular em
Los Angeles, existem truques que essas pessoas fazem só pra rirem das caras de
pessoas como eu. Eu segurava na mesa como se fosse cair.
-
Eu... – Foi o que consegui dizer, e ele se recostou na cadeira, parecendo
prestar atenção – Depois que você foi embora... Eu entrei em depressão. Você
soube?
-
Não! – Ele exclamou, se inclinando até a mim, com a mão estendida por cima da
mesa, como que para que eu pegasse. Não o fiz.
-
Eu não contava nas cartas, porque era meu momento de felicidade. Mas toda vez
que eu terminava uma carta, ou uma ligação, eu ficava pior. Sabendo que você
nunca voltaria. – Meus olhos se encheram d’água involuntariamente – Minha mãe
então me levou a um psicólogo – Respirei fundo – E ele ia trabalhando comigo, e
eu fui me sentindo melhor, mas aos poucos as suas cartas foram ficando mais
distantes. Elas não chegavam, ou demoravam a chegar, e parecia que a gente
estava se afastando. – Engoli em seco e uma lágrima fujona escapou dos meus
olhos. – Depois das férias, quando você não veio, eu me fechei para o mundo. Menti
nas sessões do psicólogo dizendo que tudo estava bem e minha mãe me tirou de
lá, achando que o tratamento tivesse dado certo, mas não! – Eu subi um pouco o
tom de voz nessa hora. Ele não tirava os olhos de mim – Eu só guardei tudo,
comigo. Parei de mostrar... Eu não tinha mais amigos, Josh. Eu era a garota
estranha. – Sequei a lágrima que rolava pela minha bochecha e continuei – Foram
dois anos assim, e foi quando eu conheci a Lola. Ela meio que me consolou. –
Engoli o choro e me ajeitei na cadeira – Eu me refiz com ela, eu virei isso
aqui. – Bati no meu próprio peito e percebi seu olhar pesando sobre mim. Era
como se ele tivesse... Pena? – Magoada por dentro, escondendo tudo... Nem eu
mesma sei quem eu sou agora, porque eu escondo coisas de mim mesa, pra não
sofrer, você não entende? – Nos olhávamos. Eu arfava, ele não se movia. – Eu
não sei o que aconteceu, eu não sei se é verdade... Mas já passou. Você me
deixou, ok?
-
Mas eu não queria – Dessa vez ele pegou a minha mão e eu encarei a cena, no
susto, mas não soltei. Ele continuou a falar – Eu não queria ir, eu também não
sei o que houve, não sei que ruídos foram esses, mas a verdade é que eu
precisava de você! E ainda preciso. – Ele passou a outra mão por cima da mesa,
segurando a minha mão livre – Eu sei que aconteceu, mas é passado. A gente pode
fazer o presente. Eu só peço pra que você me deixe compensar todo esse tempo.
Não deixa o futuro ser tão ruim quanto foi o antes... Eu estou aqui agora. Não
quer fazer valer a pena?
Nossos
olhos estavam juntos, e eu não percebia mais ninguém naquele lugar. Eram muitas
informações, muitas novidades e muitas coisas sem explicação. Mas a questão
maior era que eu queria. Queria ficar com ele, queria sorrir com ele, e queria
dar uma nova chance pra nós dois, mas seria complicado. Eu ainda precisava
juntar muitas peças desse quebra-cabeça, algumas coisas não batiam. Ele podia
estar mentindo, mas não adiantava nada pensar nisso agora. Não com o garçom que
acabara de chegar deixando dois pratos e bebidas na nossa mesa.
-
Bom apetite – Ele disse. E se retirou deixando-nos com nosso desconfortável
silêncio.
O
silêncio não durou muito. Ele quebrou, contando de como era a vida em Los
Angeles e eu acabei contando um pouco do que acontecera em New Jersey nos
últimos anos. Ele parecia ter tudo por lá e não sei como ficava tão tranquilo
de ter deixado e voltado pra cá. Comemos devagar e já eram 10 PM quando saímos
da lanchonete. As coisas pareciam promissoras, ele relembrou de um dos meus
apelidos antigos (BanAnna, porque eu era bem devagar em entender certas coisas)
e ficou me irritando com velhos problemas. Pela primeira vez em tanto tempo eu
ria de uma forma que dava gosto e que realmente me fazia feliz. Quando comecei
a perceber essa sensação, andando de volta pra casa, resolvi que era hora de
freá-la. Tirei do bolso um maço de cigarros, peguei um e com o isqueiro, o
ascendi. Ele acompanhou tudo, sem dizer uma palavra. Dei um trago e joguei a
fumaça pro ar.
-
É tão engraçado! – Ele ria, e eu o encarei.
-
O quê? – Eu disse, levando o cigarro a boca.
-
Ver você fumar... Gosta mesmo disso? – Ele ainda ria, eu olhei pro outro lado.
-
É bem elegante, na verdade... – Eu não o encarei, mas pude ouvir sua risada.
-
Se você diz... – E fizemos o final do caminho todo, que já não era muito, em
silêncio. Eu fumando, ele chutando pedras. Quando chegamos em frente a minha
casa, joguei o cigarro no canteiro e o encarei.
-
Não pense que isso vai mudar alguma coisa, ok? – Eu falei e ele me olhou como
quem não entendia – Só porque nos divertimos, não significa que eu sou sua
amiga novamente.
Entrei
pelo caminho sem esperança de que ele me respondesse. Ele não podia achar que
chegaria aqui e em um dia consertaria tudo, era ser fácil demais. Coloquei as
mãos dentro da jaqueta e continuei andando até a entrada de casa, sem olhar pra
trás e sem esperança de qualquer resposta dele, porém antes que eu pisasse nos
degraus da varanda, o ouvi gritar ao longe:
-
Se você diz...
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