Sinopse

Era uma amizade. Uma promessa. Eles ficariam juntos pra sempre, não importava o tempo que passasse. Ele foi embora, ela esperou. Mas os tempos mudam, as pessoas mudam. E as promessas? Ele resolveu voltar. Ela não é mais a mesma. E os dois, será que esse ainda existe?

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Garoto Novo


         Corríamos com nossas bicicletas pelas ruas como se não houvesse amanhã. E talvez não tivesse mesmo. Eu estava na frente, e por motivos óbvios eu achava que ele estava me deixando ganhar, como fazia sempre. Não me permitia olhar pra trás, porque tinha um medo danado de perder o controle da bicicleta e acabar atropelando algum ser indefeso. Foi quando ouvi a voz dele mais próxima do que imaginava que estaria.
         - Vamos parar no parque – Ele disse, e eu apenas lhe mandei um sinal de ok. O parque ao qual ele se referia, era um conjunto de árvores espaçadas onde a prefeitura havia colocado bancos e delimitado espaços para caminhada. Não era grande coisa, existiam vários deles por Jersey City. Continuei na velocidade que estava e ao chegar ao parque dei uma freada brusca, com medo até mesmo que ele batesse direto na minha traseira, mas não o fez. Quando bati minhas rodas no meio-fio, ofegante, Josh parou logo ao meu lado, como um piloto profissional, sorrindo com seu cabelo recém-cortado, espetado para o céu com um gel que já estava por perder seu efeito, revelando seus fios lisos e pesados. Ele sempre havia sido um menino muito bonito, mas eu não me deixava admitir isso. Aos 11 anos já é considerado muito esquisito que sua única amizade de verdade seja um menino, imagina se eu começasse a lhe admirar os olhos, a boca, o corpo... E por fim me apaixonando. Por um garoto. Com 10 anos? Era drama demais pra uma criança só, tinha coisas melhores a fazer... Como assistir à desenhos na televisão. Eles sempre terminavam bem.
         - Daqui a pouco você tem que ir embora – Eu falei, sentindo todo o pesar da minha voz rondando o ar. Ele olhou pras rodas, meio confuso, mas logo levantou a cabeça sorrindo, para exclamar:
         - Não se preocupe com isso, vamos sentar num banco, sim? – Eu apenas concordei com a cabeça e levamos nossas bicicletas para dentro do parque. Eu não tinha muito que falar, ainda estava assimilando a ideia de que não ia mais ter o meu melhor amigo comigo, que ele iria embora pra sempre. Quando chegamos a um local longe das senhoras que caminhavam pelo lugar com seus cachorros naquela manhã de domingo, sentamos no banco mais próximo e ficamos por alguns segundos apenas ouvindo os passarinhos que cantavam alegres, alheios a tudo, enquanto nossas bicicletas recostavam nos arbustos próximos. Ele quebrou o silêncio.
         - Sabe, se pensarmos por outro lado, Los Angeles não é tão longe. – Ele tinha o rosto virado pra mim, sorrindo grande. Eu sorri junto, mais por ele do que por felicidade. Ele lá era idiota? Podíamos ser novos, mas já havíamos passado da geografia básica. Los Angeles ficava do outro lado do país. Não tinha nem ideia de quantos anos eram de viagem até lá. – Poderia ser no Japão. – Ele completou, e por um momento, uma gargalhada saiu de mim. Cessando aos poucos o riso, eu resolvi responder.
         - É, talvez não seja tão mal assim. – Eu tentei parecer convencida, mas não deu certo. Dessa vez foi ele que não se convenceu de nada.
         - E você pode me visitar todo verão, e nas férias de fim de ano também... – Ele colocou os pés pra cima dos bancos, abraçando os joelhos – Sabia que lá até em dezembro dizem que é quente? – Eu pisquei, interessada na história. – Porque é perto do México – Eu concordei com a cabeça. Ele parou de falar, agora mordia a pulseira que sempre carregava no braço. Ele ainda me olhava, com aquela cara de cachorro sem dono. Um pássaro passou provavelmente muito perto de nós, eu o ouvi cantar, mas não consegui desviar o olhar do de Josh.
         - Eu tenho medo – Falei, por fim.
         - Medo de quê? – Ele perguntou, apoiando o queixo nos joelhos, com ar de curiosidade.
         - Medo de não ser a mesma coisa - Me virei por fim, sentando da mesma forma que ele, só que de frente para a rua. Enfezada, abracei os joelhos e fiquei com a cara amarrada, esperando alguma reação. Ela veio, mas foi bem lenta. Ele se virou devagar, podia sentir cada movimento. Descruzou meus braços das pernas e me fez olhar pra ele.
         - Vamos prometer uma coisa? – Eu não respondi, apenas continuei a encará-lo, ele resolveu continuar. – A gente se conhece desde sempre! Não teve um dia em que não estivéssemos juntos. A nossa história somos eu e você, sempre! Não é verdade? – Com cautela, eu concordei, balançando a cabeça. – Pois então, eu quero que a gente prometa, que não importa o que aconteça, sempre estaremos na vida um do outro. Somos os melhores amigos do mundo e isso não pode acabar só por causa da distância, não é? – Eu já sorria, mas ainda tímida. Ele me acompanhou com o sorriso mais lindo de todos, e logo em seguida levantou-se, empolgado.
         - Então vamos fazer um pacto! – Exclamou, com as mãos na cintura.
         - Um pacto? – Eu levantei ao perguntar, querendo entender onde ele iria chegar.
         - Sim, um pacto! – Ele segurou a minha mão, e me olhou nos olhos. – Eu, Joshua Hutcherson, prometo que nunca, não importa o que aconteça, abandonarei Annabeth Carlson. Prometo que mesmo de longe eu cuidarei dela. Estarei sempre olhando por ela e nunca esquecerei o quanto ela é especial pra mim. Annabeth, eu te amo.
         Pra ele foi simples como respirar, eu não sabia o que dizer e nem o que esperar. Nunca fomos dessas intimidades, porque sempre achamos que não era necessário, não era fase pra isso, estávamos indo longe demais. Mas devido às circunstâncias, não me importaria com a opinião da classe se soubesse. Ele era meu melhor e único amigo. Ele ia embora e depois eu estaria sozinha. Eu precisava prometer e nada do que eu dissesse explicaria o quanto ele me faria falta.
         - Eu, Annabeth Carlson, prometo nunca abandonar Joshua Hutcherson. Estarei sempre com ele e fazendo com que ele seja feliz, mesmo de longe. E nada me fará esquecer o quando ele é especial pra mim. Josh, eu te amo.
         Sorrimos. E foi assim, tão rápido. Quando vi, ele tinha tomado a distância que havia entre nós, levantado um pouco os pés e me roubado um selinho. Um beijo. Eu nunca tinha sido beijada. Com mais idade eu lamentaria o tempo inteiro por aquele beijo ter sido tão tarde, por ter sido somente quando ele estava para ir embora. Mas eu só tinha 10 anos. Aquele beijo nunca mais foi mencionado. Seguimos pra casa em nossas bicicletas e eu o vi entrar no táxi para o aeroporto. Parada, no jardim da minha casa, observei ele acenar da janela até o carro fazer a curva, tão longe que o via como uma formiguinha. E foi aí que chorei. Chorei até não ter mais lágrimas em mim. Chorei até não sentir a mim. Chorei até não aguentar mais. Chorei até adormecer.

Barulho infernal era aquele. Parecia que não ia acabar jamais. Mas de certa forma era reconfortante. Reconfortante porque eu não precisaria mais passar por todo o período sem Josh que procedia aquela lembrança. Reviver aqueles momentos me dava arrepios e me sentei na cama já enjoada. Coloquei a mão no rosto, eu suava frio. Pode ter sido o tanto que bebi e fumei ontem, sozinha. Não fez bem ao meu estômago. Lembrei então de que dia era, gemi baixo. Peguei meu celular no criado mudo, que era o responsável por todo o barulho e notei que ele havia despertado... Pela oitava vez! Eu estava mais do que atrasada pro primeiro dia de aula. Pulei da cama, respirando fundo. Eu conseguia me arrumar rápido e não chegaria tão atrasada assim, vai que dava até um charme. Aquele tipo de menina que não se importa com horários. Levantei-me e fui fazendo o necessário no tempo mais rápido que podia. Sem nem tomar café, saí de casa pela porta dos fundos, como uma bala. Dei tchau para minha mãe, enquanto corria pra pegar a bicicleta velha e comecei a pedalar, portão afora. Respirava fundo, o vento um pouco gelado da manhã no meu rosto fazia meu nariz coçar. Bati meu recorde ao chegar na escola antes do sinal tocar. Parei com a bicicleta no local destinado, a tranquei e segui andando até a entrada. Todas as vezes que acordava tão tarde pensava em porque minha mãe não me dava logo o carro, minha vida seria muito mais fácil, mas pela forma como me comportava ultimamente, acho que dava razão a ela por não colocar tal máquina em minhas mãos.
Passando pelo portão principal, indo em direção ao corredor de armários eu via a cena comum de volta ao ano letivo. Pessoas se abraçando, contando como foram as férias e todas as novidades trazidas da França, Bélgica, ou simplesmente de Pittsburgh. Tudo sempre era motivo pra muita felicidade e eu não via graça naquilo. Chegando ao meu armário, o único que não tinha enfeites por dentro, deixei minhas coisas por lá e segui para o fim do corredor, onde eu já via Lola, com seu inseparável isqueiro, o qual tinha mania de ascender e apagar compulsivamente. Lola era uma loira, baixinha, magra como uma vareta e com a pela bem branca. Usava sempre lápis de olho escuro e uma sombra tão preta quanto, e os cabelos sempre tinham o ar de despenteados. Preto era sua cor favorita, assim como passara a ser a minha. Éramos amigas desde o primeiro ano, quando ela veio expulsa de um internato na Suíça. Os pais eram bem ricos, mas cansaram de pagar tanto por uma menina que não queria nada. Ela vinha com o sorriso costumeiro no rosto e eu fui encontrá-la. Ela não me abraçou como uma amiga normal faria, apenas piscou antes de dizer.
- Idiotas comemorando mais um ano nessa prisão – Eu sorri e ia responder, quando fui interrompida por Stinky. Ele era o tipo de garoto para se apaixonar, o estilo cafajeste. Poderia ter qualquer menina que quisesse se por acaso se vestisse direito e tirasse o delineador dos olhos. A maioria das garotas não gostava, mas eu sempre achei que o enchia de charme e deixava aqueles globos verdes como se brilhassem. O cabelo escuro em contraste com a pele bronzeada... Parecia que ele havia vindo de algum lugar costa oeste. Era um tipo latino, uma combinação que nem em mil sonhos eu conseguiria explicar. Tirando todo esse encanto, tinha chegado no primeiro ano também, de um reformatório. Ninguém sabia a história dele, mas pra gente ele contava um pouco, vez em quando. O único fato que realmente me marcou foi numa tarde ensolarada, enquanto fumávamos no Central Park, numa visita a New York, no segundo ano, em que ele me disse seu nome verdadeiro. Alex. Achei verdadeiro, coisa que nunca conseguimos dele.
- Falou de prisão? Eu entendo. – Ele tirava o isqueiro das mãos de Lola, que o encarava enfezado. Estava bem atrás de mim quando senti seu nariz em meu pescoço e o seu sussurro quente na minha nuca – Sentiu saudades, minha linda?
Que ele arrastasse asas pra mim era um fato que eu tentava – porém não conseguia – controlar. Eu me sentia lisonjeada e ao mesmo tempo com muito medo. Já tínhamos tido alguns rolos, mas eu tinha medo do que ele podia fazer e de onde aquilo podia acabar.
- Como se eu sentisse falta de algo, queridinho? – Eu falei, me virando e apertando suas bochechas. Ele sorriu, dando um passo pra trás. Foi quando percebi um pequeno alvoroço, vindo da entrada. Resolvi encarar, para descobrir o que era. Meninas corriam para ver, garotos riam indo em direção ao pátio. Eu só queria saber o porque de tanta euforia, mas haviam muitas pessoas na minha frente pra que eu conseguisse enxergar algo concretamente. Resolvi dar dois passos pra frente, tentando ultrapassar dois marmanjos que resolveram parar justamente na nossa frente e foi aí que eu vi.
Ele seguia andando e aqueles olhos castanho-esverdeados tinham um ar bastante feliz. Parecia que o mundo havia ficado em câmera lenta. Desci para os lábios e um sorriso bobo surgia, moviam-se vez em quando, cumprimentando os conhecidos. Apenas uma alça da mochila no ombro, o andar único. Foi quando seu olhar se encontrou com o meu e eu prendi a respiração por um instante. O sorriso dele desapareceu e eu não conseguia me mover. Ele tinha dito alguma coisa, eu vi seus lábios se moverem, mas não consegui ouvir nada. Percebi que seus olhos não saíam dos meus e ele parecia lentamente se aproximar. Sem me conter, girei o corpo na direção oposta e corri para o mais longe possível do corredor principal. Não podia estar acontecendo. Não podia ser verdade.

Biologia. Meu primeiro tempo tinha mesmo que ser de biologia, e com o estúpido do Hickles? Eu já estava sentada, no final da sala, mexendo no brinco e ainda pensando no acontecido há poucos minutos. Josh Hutcherson, aquele que há sete anos me abandonou como se eu não fosse nada, esqueceu-se de mim como se eu fosse um lixo e simplesmente não deu explicações estaria de volta a cidade. Estaria de volta a minha vida. Era coisa demais pra assimilar, mas uma coisa eu já tinha decidido: Isso só aconteceria se eu deixasse. Ele parecia continuar o mesmo. Prestativo, comunicativo... Feliz. E eu? O que era? Meus pensamentos foram interrompidos pela porta sendo aberta.
- Me desculpe, eu sou o aluno novo e tive que pegar meu horário. – Ele sorria, ai como sorria. Era o mesmo sorriso de sete anos atrás. Eu tinha a boca entreaberta, meu peito subia e descia de tão forte que eu respirava. Não conseguia entender.
- Muito bem, senhor Hutcherson. Infelizmente não temos lugares aqui na frente, mas acho que há um sobrando ao lado da senhorita Carlson. Sim? – E todos os olhares da turma se voltaram para mim. Eu. A mutante do final da sala estaria sentada perto do menino novo. Acho que pensaram que eu acabaria devorando-o. Bem, apenas os alunos novos. Muitos já estudavam conosco havia muito e provavelmente sabiam da nossa história. Eu nem ousava olhar para suas caras. Dei de ombros para o professor e Josh veio andando, pra cadeira vazia ao meu lado na bancada. Não lhe dei nem oi, continuei a jogar a cadeira pra trás, equilibrando-a em duas pernas.
- Ann... – Ele sussurrou. Respirei fundo antes de me virar e ele me encarava com cautela. Aqueles olhos estavam me desarmando. – Eu nem acredito que é você...
- Pareço diferente? – Perguntei, sarcástica. A não ser pelos três quilos de peito na minha blusa e pelos outros três quilos de maquiagem na minha cara, eu acho que era a mesma, não é?
- Muito... Você está... – Eu o interrompi.
- Estranha? – Ri pelo nariz, e virei meu olhar pro quadro, onde o professor explicava alguma coisa que, pela primeira vez, eu nem queria entender.
- Eu ia dizer linda... – A voz dele tomou um tom mais baixo, e eu me assustei. Virei-me pra ele e ele encarava as próprias mãos. Ficamos em silêncio. O professor passou algum trabalho em dupla e os burburinhos começaram na sala, porém eu ainda o encarava. Nada a dizer, mas havia algo, preso em mim. Eu precisava falar, para não me sufocar. Mas era difícil, eu não queria... Mas eu precisava.
- Por que você fez isso comigo? – Eu perguntei. Quando menos esperei, saiu.
- Isso o quê? – Ele me encarou, sem entender. Como ele podia ser tão cínico?
- Me diga, Josh. Como é Los Angeles? Muitas meninas bonitas na Costa Oeste? Eu acho que seriam coisas que eu deveria saber, e porque eu não soube, Joshua? – Eu quase gritava. Respirando fundo, meu corpo tremia. Eu não sabia de onde vinha aquela raiva em mim. Agora toda a sala nos encarava.
- Ann, eu posso explicar... – Ele se virava pra mim, com os olhos cheios de pesar, mas eu não podia acreditar. Ele havia me abandonado. Nós tínhamos um pacto. Foram sete anos sozinha.
- Não me chama de Ann! Pra você é Annabeth. – Respirei fundo e mordi meu lábio, tomando um ar. – Mas me diz: roupinhas de marca, sorriso no rosto, tá até vermelho de praia, me diga, Josh... Devia ser popular na sua outra escola, não é?
- É, mas isso não importa... – Ele tentava falar, mas eu não deixei.
- Devia ter muitos amigos por lá, não? – Eu estava ofegante e sentia em minha testa brotarem gotas de suor, minhas mãos não conseguiam parar na mesa. Ele não me respondeu. Estava muito irritada pra parar por ali. – Pois vá dizer a eles que eles estão lindos, vá perguntar a eles como eles estão e, por favor, vá tentar repor a eles sete anos de ausência.
Não tinha mais o que dizer. A sala inteira, inclusive o professor Hickles estava nos encarando, atordoado. Peguei minhas coisas e com os olhos cheios d’água, tentando não deixar ninguém reparar, me dirigi até a saída.
- Me desculpe, Sr Hickles, eu não me sinto bem. – E sem mais o que acrescentar, bati a porta.

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